O melhor da vida, para mim, são sonhos concretizados, momentos felizes e memórias consagradas. Ir até Santiago de Compostela a pé, com a minha querida Mãe, entra em cada um destes três pontos. Um momento, uma viagem de uma vida, que ambos vamos recordar, com muito carinho, para sempre. Ah, com a agravante, que chegámos a Santiago no dia de aniversário dela. Melhor? Muito difícil.

Nem sei bem como surgiu esta ideia. Eu sou uma espécie de “grande fã” do Caminho, já o tinha feito algumas vezes. A minha Mãe gosta muito de fazer umas caminhadas e tudo o que meta fé e igrejas, ainda a faz mover mais depressa. Desta junção, facilmente alinhámos o desejo de um dia irmos os dois até Santiago a pé. Mas todos nós sabemos, que do desejo de ir até ao ir, vai muitas vezes uma distância demasiado longa. Mas desta vez foi tão fácil, que nem me lembro bem como foi. Deve ter sido mais ou menos assim: “filho, dia 5 de Outubro é feriado, vamos até Santiago a pé”. Respondi: “SIM!!”. Isto há, mais ou menos, um mês e meio. Depois disso, a minha Mãe perguntou-me umas 100 vezes: “filho, mas é mesmo para ir?”. Acho que a maior parte das vezes nem respondi. Chegou o dia 3 de Outubro e lá partimos até Redondela, ponto de partida da caminhada, a 100km de Santiago.

Esta viagem tem um terceiro elemento, tão importante como os dois caminhantes. O meu Pai. É o mochileiro de serviço. A minha Mãe caminha bem, mas levar uma mochila às costas ia tronar a tarefa impossível. Tarefa encarregue ao meu Pai, que de carro lá andava entre Albergues a levar a mochila e sempre pronto caso alguma coisa corresse mal. Felizmente foi mesmo só para levar a mochila. Pelo meio ainda levou a bicicleta e andou a fazer umas “piscinas” pelos trilhos do caminho. A nossa caminhada diária durava cerca de 6 horas, tinha muito tempo de se entreter.

A caminhada durou 4 dias, com uma média de 25km por dia. Uns dias mais, outros menos. Confesso que sentia um misto de emoção e preocupação, por estar a fazer este caminho, tão especial, com a minha Mãe. Por um lado uma euforia perceptível pela viagem e partilha, por outro algum receio que a minha Mãe não aguentasse ou pior, que se sentisse mal. Mas logo no primeiro dia senti que a minha Mãe iria aguentar. E assim foi, durante o todo caminho nunca se queixou sequer um cabelo. E eu tive umas 25 bolhas. Estava a ver que um dia antes de chegar a Santiago, tinha de ir a rebolar, já que mal conseguia colocar os pés no chão. (tudo se revolveu com uma troca de calçado) Portanto, verdade seja dita, a minha Mãe aguentou-se melhor do que eu. Orgulho.

Este caminho é de facto uma coisa especial, sem estar a usar o especial em vão. É especial, especial. É uma espécie de universo paralelo, com diversas personagens umas omnipresentes, mas sempre presentes e constantes, e outras personagens que variam de caminho para caminho, que alteram toda a história. Cada caminho é um caminho. Este caminho foi complemente diferente de todos os outros, já os anteriores tinham sido diferentes de todos os outros. o caminho do ano passado, que fiz sozinho, foi super importante para mim. Ajudou a pensar, tive tempo para mim (coisa tão difícil) e conseguir decidir algumas coisas importantes. Este caminho, foi quase levar a minha Mãe pela mão até Santiago. Tantas foram as vezes, ainda hoje acontece, que a minha Mãe cuidou de mim, me protegeu, me levou pela mão. Desta vez fui eu que levei a minha Mãe a realizar um sonho. Cuidei dela, para que tudo corresse bem. E, por isso, e só por isso, numa espécie de consagração de amor de filho, fez esta viagem saltar para um patamar onde só as viagens épicas conseguem chegar. Adorava quando a minha Mãe me dizia: “aí filho falas tão bem espanhol, não percebo uma palavra do que eles dizem. Nunca conseguiria vir para aqui sozinha”. 

Por outro lado, foi muito giro para mim partilhar O Meu Escritório com a minha Mãe. Depois de tantas noites mal dormidas que de certeza lhe provoquei (ser sonhador tem destas coisas), isto foi uma espécie de leva-la, pela primeira vez, ao meu local de trabalho. Foi engraçado ver a minha Mãe a reagir aos comentários e gostos nas redes sociais. “Mãe já 15 mil pessoas viram a tua foto”, “Mãe a tua amiga diz que estás muito bem”, quase sempre um misto de sorriso na cara e boca aberta. Também engraçado foi o regresso: “filho toda a gente me anda a dar os parabéns e eu não disse a ninguém que ia fazer o caminho”. Uma mini-famosa, portanto.

Espero, sinceramente, que esta não seja A viagem épica das nossas vidas (entre mãe e filho), mas que muitas mais se repitam. É muito bom termos os nossos pais a nosso lado, é muito bom dizer que fizemos e que nos rimos, em vez do o usual “gostávamos de fazer” ou “devíamos ter feito”. Na verdade as coisas são tão simples. Muitas vezes, eu incluído, complicamos demais. É demasiado fácil e demasiado gratificante uma viagem como esta. Nem imaginam como foi bom abraçar a minha Mãe (ainda para mais em dia de aniversário!!) na chegada à Plaza de Obradoiro, com a Catedral de Santiago à nossa frente. Depois o mesmo com o meu Pai. Só faltou a Liliana para o ramalhete ser perfeito. Espero, sinceramente, que a minha Mãe tenha gostado muito deste momento, desta viagem (pelo menos, não o vai esquecer, que eu vou andar sempre a lembrá-la). Ela já me disse mais de 3 vezes que gostou muito. Mas depois quando lhe perguntou sobre o que ela gostou mais, ela diz: “foram os bosques….mas aquela loja da fruta em Caldas de Reis também era muito boa”. Fico sem saber se gostou mesmo 😉 😉 .

Venha a próxima! 

Mala na imagem: Trendhim (bom material, cliquem para ver!)


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