Armação de Pêra, a história e o mar

Armação de Pêra, um dos muitos clássicos do Verão português. Lugar virado para o mar, pertencente ao concelho de Silves, sendo a única faixa de praia do concelho, talvez mais diverso do Algarve. Tem serra, barrocal e mar. É difícil afirmar quantas pessoas vivem em Armação de Pêra. Oficialmente, vivem permanentemente cerca de 5 mil. Mas a realidade diz-nos que são muitas mais. Não enaltecendo o momento em que o sol brilha com mais força e que uma pequena multidão procura Armação como um refúgio que recarrega baterias que alimentam a mente, muitos têm uma segunda habitação por ali, à qual já chamam de casa. Um lugar com mística e carácter próprio, onde não existe meio termo. Ou se adora ou se detesta. 

Armação de Pêra já foi Santo António das Areias, também já foi Santo António de Pêra e também Pêra de Baixo. Foi rebatizada ao longo da história, com a designação de Armação de Pêra a pegar de estaca, nos livros e nos corações. As primeiras referências ao lugar que hoje é Armação de Pêra remontam ao séc. XVI, sendo um lugar, maioritariamente, de pescadores. Traço de história e carácter que ainda hoje se mantém. Durante o século XVI, a praia de Armação de Pêra era constantemente referida como ponto de desembarque de piratas vindos de sul. Factor que impediu o seu desenvolvimento na Idade Moderna e que levou à construção da Fortaleza de Santo António da Pedra da Galé, hoje conhecida como Fortaleza de Armação de Pêra, para proteção da comunidade que ali vivia e trabalhava. Sendo, a Fortaleza, ainda nos dias de hoje, um dos elementos de destaque da freguesia. 

A história de Armação de Pêra permaneceu constante até meados do século passado. Um pequeno lugar, de gente humilde e ligado à pesca. Com a revolução do turismo do Algarve, chegou uma revolução a Armação de Pêra. Uma revolução urbanística que fez de Armação um dos importantes pontos receptores do Algarve, maioritariamente para o público português. Tal como uma metamorfose, de um pequeno e pacato vilarejo de pescadores, onde desembarcaram errantes piratas, nasceu um cosmopolita lugar de veraneio, com prédios a rasgar o céu. Quase com a mesma velocidade das marés, Armação de Pêra tem uma maré alta que faz a população aumentar vinte vezes, em relação ao valor da “população local”, e uma maré baixa onde se conseguem ouvir as gaivotas. Esta revolução teve a sua primeira pedra colocada na construção de um casino, chamado Casino Turismo. Construído junto à falésia da praia e obra do arquitecto Tavela de Sousa, foi um dos primeiros casinos a ser construídos em Portugal e um dos pilares do emergente turismo algarvio. Naquela época, muito mais do que um casino, foram paredes de mudança, mudança social, económica e urbanística. Uma mudança de paradigma que viria, com uma velocidade considerável, a transformar a vila num centro de turismo. O casino, cumprida a sua missão, fechou nos anos 70. Armação de Pêra, essa, continuou a sua expansão. 

Entre prédios e avenidas, novos restaurantes e lojas de praia, entre um novo mundo e novas línguas, a fluírem em todas as ruas, Armação não perdeu totalmente a sua essência. Quase como a lutar por invisibilidade, como capa protetora, de turismo que castra culturas, em Armação flutuam traços de carácter que cativam. Os barcos de pesca, as pessoas que os navegam, o mercado, as casas baixas, a fortaleza, os dialectos, os azulejos a representar Portugal ou as pequenas chaminés ornamentadas, são elementos que fazem Armação estar ligada à terra e a fazem não perder a sua identidade mais profunda, a do pequeno vilarejo piscatório, e construir novas identidades numa base consolidada. 

Sento-me na esplanada do bar dos Armacenences, o clube local, que fica junto mercado do peixe, bem no coração da vila. É Sábado e os turistas de ocasião, confundem-se com os que têm ali a sua segunda casa e com os que ali nasceram. Sinto-me como dentro de um quadro naif onde o certo é não existir certo e a coerência falhar na forma certa, porque o mundo não segue na horizontal e o não padrão pode ser a nova forma de identidade. Uma mistura contemporânea que nos faz detestar ou adorar este lugar. Entretanto, na mesa em frente da minha senta-se um senhor de pele escura, marcada pelo sol, camisa aberta, que parece ser o estilo frequente, calção, chinelos e chapéu, mas com ar de quem não gosta de ir à praia. Falou para as pessoas do bar como se ali se sentasse todos os dias, naquela mesma cadeira. Imaginei-o como um pescador, a viver a vida entre fainas. Pareceu-me estar de bem com a vida. Pareceu-me gostar de estar ali. Pareceu-me, tal o à vontade, não ter nascido muito longe daquela cadeira. Senti-o como uma das pessoas, sem nome, que, sem querer, dão a pitada certa de carácter, à mistura de cores que compõem a paleta Armação. Ele pediu uma cerveja e eu também. Brindámos à vida e a Armação de Pêra.

Julho 2020

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