Manigoto e os seus mais de vinte amigos

O Manigoto é uma pequena freguesia do concelho de Pinhel, situada a sudoeste da cidade, na encosta de uma colina. Foi neste lugar, aparentemente remoto, que corria o ano de 1992, foi criado o Grupo de Amigos do Manigoto (GAM), uma associação sem fins lucrativos. A premissa inicial, que esteve na génese da criação desta associação, visava o desenvolvimento de atividades recreativas e culturais que pudessem potenciar a valorização e a defesa do património do Manigoto. Assumindo este papel pro-ativo, a associação criou o Espaço Museológico do Manigoto, inaugurado em 1998, mas cujas atividades se iniciaram anos antes, pouco depois da criação do GAM. A existência deste espaço permitiu o constante desenvolvimento de exposições temporárias e outros eventos, mas a associação foi sempre mais além nas suas funções, apostando também em ações de sensibilização e formação, dinamização de passeios e visitas de estudo, e a criação de um grupo de animação. 

Foi assim, que no ano de 2003, o GAM decidiu criar o Grupo de Teatro do Imaginário, dando assim resposta a uma vontade que vinha a ser manifestada por um grupo de jovens ali pertencentes. 18 anos depois, este grupo já participou num sem fim de peças, tendo sido inclusivamente premiado em concursos nacionais, e sempre com o cuidado de pensar e desenvolver novos projetos, um deles, as “Visitas Encenadas”, onde através da sua arte, contam a história do Município de Pinhel aos que a visitam. Quando se fala sobre este Grupo de Amigos do Manigoto, existe um nome que é incontornável e que rapidamente surge em qualquer conversa, como a sugestão óbvia de pessoa a conhecer, e esse nome, é o de José Martins. José é o Presidente do GAM desde 2003, mas o seu envolvimento com esta freguesia é bastante mais antigo. Conversar com ele, foi muito mais do que descobrir quem de facto é este Grupo, foi descobrir a essência deste lugar chamado Manigoto, e como sempre acontece, das suas pessoas.

Foi nas instalações do Grupo de Amigos de Manigoto, que decorreu a conversa, que acabou por ser mais longa do que o previsto, mas isso foi apenas consequência do quão agradável a mesma se revelou. José Martins tem hoje 63 anos e nasceu no Manigoto. Contudo, a sua vida passou por muitos outros lugares, como Lisboa, Torres Novas, Coimbra e finalmente Guarda, onde acabou por ficar grande parte da sua vida, exercendo a profissão de polícia. Quis emigrar, mas estando aprovado pelo Exército, estava impedido de se ausentar por longos períodos, e dessa forma acabaria por ficar por Portugal. Admite que dentro de si, existiu sempre a certeza e acima de tudo a vontade, de regressar ao Manigoto e de ser esse o lugar onde estabeleceria a sua última morada. Durante o seu percurso profissional, existiram inclusive momentos que o poderiam ter levado mais longe na sua carreira, mas acabou por tomar sempre decisões que o levariam para mais próximo desta freguesia que o viu nascer. É com um sorriso orgulhoso e feliz que conta,  neste momento estou mesmo a morar no Manigoto, finalmente! 

Foi em 2000 que o GAM entrou de forma definitiva na vida de José Martins. Tendo sido mordomo nas festas da freguesia, acabaria por ser convidado a entrar nas listas do Grupo e consequentemente, começou por assumir funções enquanto Presidente do Conselho Fiscal. Nessa altura ainda residia na Guarda e estava a construir a sua casa lá, pelo que a sua disponibilidade era ainda bastante reduzida. Passados apenas dois meses, incumbiram-no de ficar também responsável pela parte social, que funcionava apenas enquanto apoio domiciliário e centro de dia. Pela maneira como fala do Grupo, é notório o empenho que ali colocou desde o seu primeiro dia, pelo que não é de estranhar que em 2003 tenha vindo a assumir a presidência do mesmo. Admite que nem sempre foi fácil e que tem consciência de que se cometeram erros, contudo, acredita que só quem não faz nada pode conseguir nunca errar, e para ele, cruzar os braços nunca fui uma opção em cima da mesa. 

A criação do Teatro do Imaginário coincidiu com a entrada de José Martins para a Presidência do GAM. José sempre gostou de teatro, e essa paixão era partilhada com o presidente da Assembleia nessa altura. Juntos decidiram avançar para a criação do mesmo, e para isso, contactaram o ator Américo Rodrigues, que viria ser o primeiro encenador do grupo. Uma das características que desde o início distinguiu o Teatro do Imaginário, foi o facto de construírem peças cujas histórias não foram buscar a grandes autores, mas que pelo contrário viriam a nascer de histórias das gentes de Manigoto e das próprias vivências daquele território. Inicialmente, todos os atores envolvidos eram também eles naturais do Manigoto, mas a certa altura isso deixou de ser possível e tiveram de alargar os horizontes, recrutando pessoas de outros lugares, de forma a poderem dar continuidade aos seus projetos. Através do Teatro do Imaginário, José conheceu um sem número de palcos, e apesar da pandemia, fizeram oito visitas encenadas a Pinhel, adaptando-se às circunstâncias e constrangimentos, e ensaiando online. Neste momento todos queremos subir a palcos… fazer qualquer coisa. 

Durante a conversa, uma das palavras que mais repetiu foi “juventude”. O facto de estar rodeado de jovens no GAM, faz com que demonstre um carinho muito especial por esta nova geração, assumindo o quanto aprende com eles, e o quanto faz por se colocar no seus sapatos, recordando-se de como ele próprio foi enquanto jovem. Compreende que o paradigma atual os afaste cada vez mais dos meios mais pequenos, mas é mesmo assim visível, que o amor que o liga ao Manigoto, tem sido algo que lhes tem conseguido transmitir. É com orgulho que partilha o quão unidos são os jovens ali e a fé que guarda para que possam de alguma forma continuar o trabalho que foi desenvolvendo com o GAM ao longo de tantos anos. É preciso sangue novo, até porque estamos a falar de uma organização juvenil, está a chegar a hora de eu sair e de eles ficarem na frente disto. Mas claro, enquanto eu puder, vou ajudá-los sempre. 

José partilha que nunca deu tanto valor em poder viver num lugar como o Manigoto, como nos últimos meses. A paz de espírito, a tranquilidade e acima de tudo o facto de conseguir sempre manter as suas rotinas, de ir à vinha, de estar em contacto com a natureza, permitiu-lhe manter sempre a sua cabeça sã, e de nunca se sentir de alguma forma enclausurado. Finda a conversa, o sentimento que ficou foi o de verdadeiramente ter ficado a conhecer não só aquele lugar, mas também a determinação por detrás daquele grupo de pessoas, que há mais de 20 anos trabalham para trazer um novo fôlego ao Manigoto. Escusado será dizer, que a minha eterna teoria, de que a melhor forma de conhecer um lugar é através das suas pessoas, ficou aqui mais do que comprovada. Por outro lado, a despedida deixou em mim, de forma quase imediata, a vontade de um regresso, e é sempre um bom sinal quando isso acontece. Enquanto deixava o Manigoto para trás, em vários momentos da viagem, ainda ecoavam na minha cabeça, as últimas palavras do José, o Manigoto tem alma, o povo é unido. Quando é preciso estamos lá todos. Quem nos visita vê uma freguesia, com gosto, que respira. 

Dezembro 2020

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