Artur pardalejo

A primeira impressão que temos quando conhecemos alguém pela primeira vez e embora o que saibamos sobre ela seja ainda uma página em branco, pode revelar-se na grande maioria das vezes enganadora. O que normalmente acontece, é criarmos preconceitos sobre coisas pequenas e simples, que de forma imediata nos saltam à vista, como a maneira de falar, a forma de vestir, os gestos ou as expressões. É um exercício que fazemos de forma mecânica e quase inconsciente, mas que mesmo escapando à nossa vontade, se materializa. No primeiro momento em que conheci o Sr. Artur Pardalejo, estudando-lhe a voz, o trato, as feições e a linguagem, assumi-lhe duas verdades. A primeira, a de que seria uma pessoa educada, e a segunda de que se trataria de uma pessoa culta. Embora este exercício seja algo que sempre fiz e que por consequência pudesse ser já versado neste jogo, a verdade é que muitas vezes já me enganei, em algumas foi surpreendido positivamente, noutras nem por isso. Não querendo adiantar muito sobre a história que aí vem, posso afirmar desde já, que desta vez estava certo, e essa certeza foi-se adensando ao longo de toda a conversa, em momentos às vezes microscópicos, mas estava lá.

A vida de Artur Pardalejo revelou-se carregada por várias peripécias, mas começando pelo início, aquela que foi a primeira de todas, foi a do seu próprio nascimento. Segundo os registos, o Sr. Pardalejo nasceu a 1 de Janeiro de 1954, mas a verdade é que essa não é a sua real data de nascimento. Como acontecia de forma bastante vulgar nessa altura, os seus pais registaram-no alguns dias depois, mas o dia em que realmente veio a este mundo, foi o dia 27 de Dezembro de 1953. Conta por entre gargalhadas, que passados 20 anos, essa questão lhe deu bastante jeito, já que no momento em que foi à inspeção, pouco tempo depois se deu o 25 de Abril e consequentemente, escapou à Guerra Colonial. As únicas pessoas que poderiam testemunhar que nasceu em 1953 e não em 1954, eram os seus pais, que já não estão vivos hoje, pelo que agora afirma que irá assumir para sempre, a sua data de nascimento oficial, como o dia 1 de janeiro de 1954. 

Nasceu em Pinhel e foi ali que estudou durante a escola primária e depois até ao 5º ano, hoje equivalente ao 9º ano, até se deslocar para a Guarda para terminar o ensino secundário. Ainda acabaria por chumbar um ano, admitindo que nunca foi um aluno brilhante, mas em 1973 acabaria finalmente por ingressar no ensino superior, entrando para Engenharia Civil em Coimbra. Os olhos do Sr. Pardalejo brilham no segundo em que começa a falar sobre esses tempos, num misto de nostalgia e certamente saudade. Fiquei deslumbrado com Coimbra, aquilo para alguém como eu que vinha da província, foi uma coisa fora do normal. Caloiro, com dezanove anos, envolvendo-se rapidamente nos movimentos estudantis, recorda a força com que ali se viveu o 25 de Abril, quando ocuparam a antiga PIDE, e de toda aquela inquietação e desassossego. Acabaria depois também por integrar a Associação Académica na secção de futebol amador e novamente os seus olhos brilham, quando o tema é futebol. Percebe-se imediatamente que estamos diante de um daqueles adeptos ferrenhos, que mais do que ter gostado de jogar, sempre gostou de assistir, sempre foi um apaixonado pelo espetáculo em si. Conta que havia quem lhe chamasse o “três” que era o número com que jogava nas camadas jovens em Pinhel. Contudo é enquanto espetador fervoroso que todos o ligam ao futebol, havia quem fosse ver os jogos só para ver a mim! (que não jogava, só estava a perseguir o fiscal de linha!).

Mas voltemos até Coimbra. Além do futebol, foi por lá que também teve o primeiro contacto com o rugby. Embora nunca tenha efetivamente praticado, treinava muitas vezes com essa equipa e traz dessa experiência vários ensinamentos, considerando esse desporto uma grande escola, e claro, muitas amizades. São acima de tudo, muitas as amizades que traz desses vários anos em que viveu em Coimbra, anos esses de muita vida boémia, o que levaria a que o curso acabasse por ficar pelo caminho. Regressa a Pinhel sem o canudo, o que foi um grande desgosto para os seus pais, mas que acabaram por ser compreensivos. Concorreu para o professorado e ainda chegou a trabalhar em Vila Franca das Neves, mas depois acabaria por entrar na função pública, exercendo essas funções em Pinhel, mas depois uma nova reviravolta e acabaria por ir trabalhar para Matosinhos.

Quando vai para Matosinhos, com 30 anos, vai já casado e a sua primeira filha, nasce pouco tempo depois. A gestão familiar torna-se difícil porque nessa fase que deveria estar mais presente, só conseguia estar aos fins de semana. E é precisamente num desses fins de semana em Pinhel, que um evento traumático lhe faz repensar as suas prioridades. Estava a cortar lenha com alguns familiares seus, quando de repente um estilhaço lhe atinge a vista esquerda. Esse acidente levaria a uma série de operações, até que finalmente, acabaria por cegar totalmente desse olho. Esse acidente, o facto de estar longe da sua família e ainda uma vontade de regressar ao seu lugar de origem, fizeram com que decidisse deixar Matosinhos e voltar definitivamente a casa. Ao mesmo tempo, esse seu regresso culminou também, com uma fase em que o seu pai começava já a acusar algum cansaço, e isso levaria-o a começar lentamente a assumir a sapataria, negócio que vinha já do seu avô. Ao contrário do seu irmão, Artur tinha sempre gostado daquela área. Tinha imenso prazer em ajudar sempre na época do verão e adorava estar atrás do balcão. Lembra-se de ainda miúdo, se deslocar com o pai de madrugada, numa carrinha de caixa aberta e de irem até Felgueiras e Lamego, às fábricas comprar calçado. Admite não lhe ter herdado a arte de negociante, mas o amor ao ofício.

Saudoso, fala sobre o seu pai como uma das figuras típicas da sua geração em Pinhel, uma pessoa muito popular e do povo, que durante muitos anos foi presidente da junta. Muitos vêem nele muito do que era a figura do Sr. Zézinho, sendo que o amor pela bola também lhe chegou de herança do pai. Após o seu falecimento, Artur pegou definitivamente nas rédeas da loja e tomou conta dela até aos dias de hoje. Decidiu nunca ceder a modas e manteve sempre o estabelecimento na sua vertente mais tradicional, vendendo calçado rústico de trabalho, alpercatas no verão e ainda alguns produtos, embora cada vez menos, para os sapateiros usarem em trabalhos de remendos. Recorda-se de no tempo do seu pai, terem tido ainda funcionários a trabalhar numa oficina que tinham por detrás da loja, mas com o passar dos anos essa necessidade acabaria por extinguir-se. O futuro da sapataria é hoje uma incógnita, embora assuma como maior probabilidade a de fechar, deixa ainda essa questão em aberto. 

No meio de uma história de vida tão rica e tão cheia de pequenas histórias, eventos e peripécias que foram sempre modificando aquilo que parecia ser o rumo mais óbvio, ainda confessou ser um amante das viagens, paixão que felizmente é partilhada pela sua esposa. Foi de olhos muito abertos que relatou a sua experiência em Israel, mas também o seu eterno encantamento por Paris, onde já foi várias vezes, e ainda as passagens por outros destinos como a Alemanha, a Inglaterra ou a Tunísia, sendo que muitas dessas viagens, fez em conjunto com um grupo de amigos que mantêm desde os tempos de Coimbra. Atualmente, assume as vivências de um dia a dia cada vez mais sossegado, onde gosta de fazer caminhadas e também de se dedicar à agricultura, embora admita, é uma espécie de agricultura de jardinagem, nada muito sério. Enquanto estava na viagem de regresso, recordei-me de que a certa altura da nossa conversa, alguém tentou entrar na loja e o Sr. Artur gritou-lhe, a porta é para a frente como no Teatro! e essa frase emergiu na minha cabeça, e ganhou de repente outro sentido. A verdade é que conhecer o Sr. Artur Pardalejo e ter tido o prazer de ouvir a sua história, foi como se tivesse de facto estado a assistir à sua vida sentado numa plateia, tal foi a forma vívida como a conseguiu relatar-me. Uma coisa tomo como certa, sempre que falar sobre Pinhel ou que lá regresse, vou lembrar-me dele e deste encontro.

Dezembro 2020

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