Viagem pelas regiões de vinho do centro de portugal

Dentro de uma infinidade de pequenos mundos que formam a nossa identidade enquanto povo, a que podemos apelidar da nossa portugalidade, existe uma ligação ancestral entre as nossas tradições e vivências, e a cultura do vinho, e esse elo é inegável. Nós não pensamos no vinho enquanto mera bebida alcoólica que se obtém da fermentação, total ou parcial, do sumo de uvas frescas, nós pensamos o vinho enquanto elemento vivo. Pensamo-lo enquanto parte integrante da nossa memória colectiva, e também enquanto presença transversal em todas as fases da nossa vida, mesmo que em diferentes momentos e expressando-se de diferentes formas. Pensa-se que a primeira vinha, terá sido cultivada algures no vale do Tejo e no Sado, há cerca de 2 000 anos a.C., pelos Tartessos, e esse tão longínquo recuo na nossa história, é a prova cabal não só da sua omnipresença, como da sua relação umbilical connosco, com o nosso país. 

Na zona centro de Portugal, podemos encontrar cinco diferentes regiões ligadas à produção de vinho, o Dão, a Beira Interior, a Bairrada, o Tejo e Lisboa. Entre elas existem claramente semelhanças, mas na mesma medida, muitas e evidentes diferenças, e é no cerne dessa mistura, que reside o que torna cada uma delas tão única, e consequentemente, com vinhos tão distintos e singulares. Conhecer a história de cada uma destas regiões vinícolas é uma travessia brutalmente interessante, onde se descobrem idiossincrasias inesperadas, particularidades únicas e muitas pequenas curiosidades. Esta é uma travessia que traz à tona não só a riqueza das produções vinícolas destas diferentes regiões do centro do nosso país, como também da sua riqueza natural, histórica e cultural, mas o melhor é mesmo passarmos à degustação

A região demarcada do Dão foi instituída em 1908 e foi a primeira região demarcada de vinhos não licorosos do país. Há quem lhe chame a Borgonha portuguesa, já que as duas regiões se caracterizam por produzirem vinhos tintos com aromas complexos, com óptima intensidade e com uma estrutura delicada. As vinhas do Dão, encontram-se dispersas em áreas montanhosas da região Centro, entre os 400 e os 700 metros de altitude. São cultivadas em solos graníticos ou xistosos e protegidas do oceano Atlântico e da influência dos ventos, pelo abraço das Serras do Buçaco, da Estrela, do Caramulo e de Montemuro. Nesta região é possível descobrir uma grande variedade de castas, como por exemplo, o Encruzado, a Touriga Nacional ou o Alfrocheiro. Desde os tintos encorpados, aos brancos leves, passando pelos rosés refrescantes, e terminando com a elegância dos seus espumantes, o Dão é uma região que precisa de ser saboreada de forma vagarosa, para que nada fique por provar.

Geograficamente, a região da Beira Interior é a mais alta do país e faz fronteira, a norte com Trás-os-Montes e Alto Douro, com serras dos vales do Douro e do Côa. A  Beira Interior é uma zona que apresenta um relevo consideravelmente acidentado, com inúmeras formações montanhosas e com áreas extensas de planalto. A altitude é um factor de forte influência nas vinhas, tal como o seu solo xistoso ou granítico e a grande oscilação climática de que sofre. Os vinhos da serra são pela consequência de todos estes factores, vinhos com uma personalidade bem vincada. Dentro de uma grande variedade de castas, temos por exemplo, a Síria, a Fonte Cal, a Rufete ou a Trincadeira. Os brancos destacam-se pela sua frescura, os tintos são muito expressivos, não descurando claro, a qualidade dos seus rosados, palhetes e espumantes.  Em termos vitivinícolas, a região foi criada em 1999. 

Pensar na região da Bairrada, é obrigatoriamente pensar em espumantes, além do evidente leitão claro, contudo, falando em vinhos e não só, existe muito mais para ficar a conhecer. A explicação para a grande qualidade dos seus espumantes, advém do elevado grau de acidez das suas uvas e da sua baixa graduação alcoólica, o que pela sua combinação, resulta em vinhos de aroma bastante fino. As vinhas destinadas à produção de produtos com a denominação “Bairrada” devem cumprir com o regulamento que indica que as vinhas “devem estar instaladas em solos “calcários pardos ou vermelhos”, em “solos litólicos húmicos ou não húmicos”, ou em podzóis de materiais arenáceos pouco consolidados”. Os vinhos brancos desta região são também merecedores de prova, provenientes de castas como, Bical, Arinto ou Maria-Gomes. Já nos vinhos tintos, é a casta Baga a casta dominante, criando vinhos bastante equilibrados e de grande longevidade. 

A região do Tejo é uma das mais antigas regiões produtoras de vinho em Portugal. Aqui encontramos propriedades seculares, ainda na posse das mesmas famílias, produtoras de vinhos que fazem parte da história do nosso país. O relevo é irregular e predominam as formas com baixa altitude, os solos dividem-se em quatro categorias: solos de aluvião, solos argilosos-calcários, solos xistosos e as areias. Quanto às castas, a mais expressiva nos brancos é Fernão Pires e nos tintos, a Aragonês. Nesta região existem ainda, três zonas distintas de produção, os terroirs,  são elas, a Charneca, que se localiza a sul do campo, na margem esquerda do Rio Tejo, com solos arenosos e medianamente férteis , o Bairro que se situa entre o Vale do Tejo e os contrafortes dos maciços de Porto de Mós, Candeeiros e Montejunto, sendo um terroir ideal para as castas tintas, e o Campo que se situa nas planícies adjacentes ao rio Tejo, sujeitas a inundações periódicas, responsáveis pelo elevado índice de fertilidade destes solos. 

Finalmente, chegamos à região de Lisboa, a mais recente das cinco regiões vitivinícolas do Centro, criada apenas em 2009, sendo que até 2008, era conhecida como “Vinho Regional Estremadura. A variedade de relevos e microclimas em que se insere, faz com que se encontrem tanto vinhas perto do Atlântico, como ao mesmo tempo, vinhas no interior quente, resultando numa grande diversidade de vinhos diferentes. Esta é uma das regiões de vinhos mais produtivas, e é constituída por nove sub-regiões: Colares, Carcavelos e Bucelas (na zona sul, próximo de Lisboa), Alenquer, Arruda, Torres Vedras, Lourinhã e Óbidos (no centro da região) e Encostas d’Aire (a norte, junto à região das Beiras). As castas predominantes nos tintos são, Alicante Bouschet, Aragonez, Castelão, Tinta Miúda, Touriga Franca, Touriga Nacional e Trincadeira e nos brancos, Arinto, Fernão Pires, Malvasia, Seara-Nova e Vital. 

Conhecer um pouco de cada uma destas cinco regiões, é perceber a grande riqueza que reside no centro de Portugal no que concerne não só o mundo dos vinhos, mas tudo o que levita em torno dessa mesma tradição. Se é certo que existem muitas diferenças entre estas regiões, ao mais variados níveis, é igualmente evidente, que é muito mais aquilo que verdadeiramente as une, do que aquilo que as separa. É possível encontrarmos tanto no Dão, como na Beira Interior, como na Bairrada, como no Tejo ou em Lisboa, pedaços do que encerra a tradicionalidade dos vinhos portugueses, mas acima de tudo, o que torna os vinhos da região Centro tão únicos, tão distintos, tão nossos.

Setembro 2020

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