oleiros e os caminhos que o ligam ao rio Zêzere

Existe uma relação umbilical entre o concelho de Oleiros e a presença do Rio Zêzere. O Rio Zêzere nasce na Serra da Estrela, a cerca de 1900m de altitude, junto ao notável relevo do Cântaro Magro, onde se desenha o começo do maior vale glaciar da Europa. Depois de descer a Serra da Estrela, o Zêzere passa por Belmonte e pela Covilhã. Dali, e quase até desaguar no Tejo, em Constância, é alimentado, de ambas as margens pela paisagem de montanhas que enquadra as Aldeias do Xisto. Depois do Rio Mondego, este é o segundo maior rio exclusivamente português. Próximo de Cambas, pertencente ao concelho de Oleiros, entre as aldeias de Janeiro de Cima e Álvaro, o Zêzere deixa de ser um rio esguio e irreverente, passando a ter um ritmo mais suave e de leito mais largo, isto devido à aproximação da Barragem do Cabril, mas sempre sem perder o seu carácter.. É neste troço especial, que o encontramos, entre os Janeiros e Madeirã, por entre curvas e contracurvas, que o Geopark Naturtejo da Meseta Meridional designou por “Meandros do Zêzere”. Estas famosas curvas, agora apelidadas de “Meandros de Zêzere”, estão classificadas como geossítio pela UNESCO, e é nelas que o Rio Zêzere atinge um dos seus pontos de máximo seu esplendor. Estes serpenteares do rio, desenham um percurso pelas mais bonitas paisagens não apenas desta região, mas do nosso país. 

Voltando ao rio como um todo. Existem pelo menos duas teorias para origem do seu nomes. Uma delas tem origem árabe e significa “rio das Cigarras”, a outra vem da árvore que pode ser encontrada perto da sua nascente, o azereiro, também chamado de zenzereiro. A força deste rio é inegável, mas ao longo do ano é possível ver como o seu caudal se vai modificando, mais agreste e descontrolado no inverno, e mais sereno e vagaroso por altura do Verão. Os seus recortes e as formas que vai delineando ao longo do seu percurso, especialmente na sua passagem nesta região, transformam-no num elemento vivo, cuja presença é sentida de forma constante.

Falar no Zêzere hoje, é também falar na Grande Rota criada com o mesmo nome e que de certa forma homenageia não só a sua indiscutível beleza, como a diversidade ambiental que nele se encerra.Com 370km de extensão, a Grande Rota do Zêzere, percorre 13 concelhos e une importantes referências nacionais como: Castelo de Bode, as Aldeias de Xisto, a Serra da Estrela e o Rio Tejo. O percurso pode ser feito a pé, de bicicleta ou ainda de canoa, pelo que quem o faz, pode decidir percorrê-lo tanto de forma contínua como por troços, criando assim uma experiência única e feita à sua medida. Além da Rota permitir a quem a percorrer, conhecer a beleza destas paisagens, permite ainda um contacto privilegiado com a natureza e ainda, usufruir da própria vivência das aldeias por ela passa. 

Na essência do que é a identidade de Oleiros, a envolvência do Rio Zêzere em certos pontos, noutros a própria passagem e em outros ainda, apenas o seu vislumbre, fazem com que ele seja parte integrante da História e das pequenas histórias deste lugar. É curioso que mesmo nas povoações em que ele parece estar de alguma forma mais distante, e onde poderia não ser tão evidente essa ligação, mesmo aí, ela existe e é palpável. Tudo isto cria em quem visita, a sensação de que o rio Zêzere é de certa forma uma força que alimenta todo este concelho, fazendo com que a existência de um sem o outro parecem impossíveis de ser imaginadas. Contudo, é também inequívoco, que em certos lugares, a sua presença é ainda mais patente. Tomemos Álvaro como exemplo, a “aldeia das casas brancas.” Ali, a aldeia estende-se ao longo do cume de uma encosta sobranceira ao rio Zêzere. Conhecer as pessoas daquela aldeia, é perceber o quanto essa presença contínua do rio, influenciou todas as suas vivências, contribuindo para a escrita das suas próprias histórias. Mas podemos também, ou aliás, devemos fazer referência a Orvalho e à magnífica vista do Miradouro do Mosqueiro. Um lugar de localização privilegiada, a 666 metros de altitude, onde as famosas curvas do Zêzere, os tais meandros, são perfeitamente observáveis, tornando a experiência de chegar ali, brutalmente recompensadora. Mas é impossível também não falar de Cambas, a única freguesia do concelho a ser atravessada pelo Rio Zêzere. Cambas tem um carácter especial, como algo que contagia e difícil definição. Sobre Cambas, partilho um pequeno excerto, que escrevi no meu diário de bolso sobre a minha primeira passagem por este lugar do Zêzere (talvez a definição não seja uma palavra, mas um conjunto de palavras que formam um sentimento, talvez, de pertença): 

“Quase 40ºC, Verão português, música com algum volume no rádio, vidro aberto, braço de fora e cabelo ao vento. Este foi o cenário da minha chegada a Cambas. O rio é a primeira imagem, a ponte que o atravessa é a segunda e um aglomerado de casas, cuidadosamente alinhado numa encosta do rio, é a terceira. E claro, a densa floresta, como a quarta imagem. Como poderia não mencionar a floresta. Mas até passa despercebida, de tão grande que é. Funciona como um gigante pano de fundo, apenas contrastando com o gigante azul do céu. 

Ainda cheirava a festa, quando cheguei. Cartazes nas paredes e enfeitos no ar. Era um dia de semana e não se via viva alma, mas o cheiro da festa estava lá. Aumentei o volume do rádio e entrei na aldeia. Meia volta no interior da mesma e apontei destino para o rio. Como porta de entrada para um universo paralelo, onde reina a frescura, o caminho junto ao rio é um comprimido para alma que fritava com o calor de Verão. Mais uma vez, as almas estavam em falta e tinha aquele pedaço de rio só para mim. O final da estrada apontava para praia fluvial de Cambas. Não tem forma de praia, mas forma uma bolha de silêncio e bem-estar, com a natureza a funcionar como tónico para tudo se equilibrar de forma graciosa. Baixei o volume, saí do carro e caminhei para a água. Apenas se ouvia o vento. A água tinha uma cor verde que emitia uma espécie de chamamento, como algo gracioso. Cheguei à água, molhei a cara, sentei-me e deixei-me ficar. Apenas isto e sem precisar de algo mais.”

 Todas estas ligações, mais ou menos evidentes, entre os que conhecem estes lugares e aqueles que ainda apenas sonham vir a conhecê-los, traz à superfície de forma bastante clara, a sensação de pertença que existe entre certas aldeias e o Zêzere. Nenhum rio é um mero curso de água, todos os rios contam parte da história, da vida e da identidade dos lugares por onde passam, e como aqui tão bem se vê, também dos lugares por onde podem simplesmente ser vislumbrados. As curvas e contracurvas da viagem que o Zêzere dentro do nosso país, representam também as formas como o mesmo vai modificando esses lugares pela sua presença, as formas como ele vai moldando a experiência de viver naqueles lugares. Esta ligação torna-se assim uma das mais bonitas formas de poesia, neste inusitado casamento entre o rio e as aldeias que o mesmo toca. No fundo é como se cada um representasse uma forma de oxigénio de que o outro necessita, fazendo com que a existência de um, esteja sempre dependente da existência do outro. Nesta viagem uma coisa é certa, o Zêzere é o eterno narrador e co-protagonista das histórias que ali se escrevem.

Setembro 2020

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