Só a Natureza é divina, e ela não é divina…

Se às vezes falo dela como de um ente

É que para falar dela preciso usar da linguagem dos homens

Que dá personalidade às coisas,

E impõe nome às coisas.

 

Mas as coisas não têm nome nem personalidade:

Existem, e o céu é grande e a terra larga,

E o nosso coração do tamanho de um punho fechado…

 

Bendito seja eu por tudo quanto não sei.

Gozo tudo isso como quem sabe que há o sol.

“O Guardador de Rebanhos”. Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa.

 

 

Começo a minha jornada narrativa, por um pedaço de Natureza chamado Mação, com um poema de Alberto Caeiro, heterónimo do mestre Fernando Pessoa. Faz sentido para mim. Mação vive em mim como um ente. Algo tão belo e misterioso, de grandeza quase infinita, mas, muitas vezes, difícil de definir e enquadrar. É difícil dar nomes ao que existe no espaço natural de Mação. Parece que fica sempre aquém da realidade. Talvez o maior feito, nesta jornada, seja o deixar cair a procura de definição e simplesmente contemplar. No final das contas, “o céu é grande e a terra larga, e o nosso coração do tamanho de punho fechado”. E como o céu é grande em Mação.

Mação tem cerca de 400km2 de área, no quais habitam cerca de 8 mil pessoas, divididas por 6 freguesias e um sem fim de lugares e aldeias. Os 400km2 de Mação, numa escala global, não fazem de Mação um dos maiores territórios do Mundo, nem sequer de Portugal. Mas estando lá, parece infinito, no verdadeiro sentido da expressão “sem fim”. Talvez pelo seu perfil desnivelado, talvez pela densidade da sua floresta, talvez pela riqueza natural do seu território, que leva o visitante a ter muita informação para processar. Cada vez que visito Mação, e já foram muitas, além de uma sensação de bem estar incrível, sinto que não tem fim. Existe sempre algo novo ao virar de cada curva. E mesmo que volte a passar nessa curva, tudo parece em constante mutação. A Natureza vive aqui.

Milhões de vezes já disse e escrevi: “são as pessoas que fazem os lugares”. Contínuo a confirmar, de forma constante, esta afirmação. São as pessoas que dão vida a territórios. As minhas viagens são feitas através de pessoas e das suas culturas. Muito raramente viajo sem conversar. Muito raramente existe ausência de presença humana em qualquer ponto das minhas viagens. Mas depois, existe sempre a excepção que confirma a regra. Em Mação, gosto de viajar sozinho. Sem ninguém, em silêncio e sem tempo. Parece uma imersão a um universo paralelo, onde nos encontramos a nós. Não existem muitos lugares que fazem inverter a minha velha e sábia máxima, de que tudo gira à volta das pessoas. Existe uma explicação? Talvez sim, talvez não, talvez não importe. Talvez em (quase) todos os outros lugares volte à velha máxima.

Da Ortiga a Cardigos, do Tejo à floresta da Beira Interior. Do Penhascoso à Pracana, das pessoas à Natureza. Viagens de Norte a Sul, Oeste a Este. Onde talvez só a orientação importa. Onde os lugares mais belos não têm nome, ou melhor, onde esses lugares, os mais belos, não aparecem nos mapas. Os locais sabem o seu nome. Não os guardam como um segredo, mas sim como algo sagrado. Tornando cada visita, a cada lugar novo, como algo abstrato, sem definição. Recordo cada ponto alto a que subi, alguns com gigantes torres éolicas, alguns com rochas imponentes, alguns com pequenos santuários. Todos eles com vistas de cortar a respiração, todos eles a proporcionar uma visão arrebatadora e infinita do território. E depois, a cada descida dos lugares mais altos, existe sempre um lugar fechado, fechado e do tamanho de uma pérola. Seja uma levada, uma cascata ou um pequena ribeira. Tudo digno de um filme. Daqueles onde os heróis circulam em silêncio, apenas com uma banda sonora condizente. Ainda hoje, nos meus melhores sonhos e presente nas minhas melhores conversas, recordo um lugar sagrado, sem nome, recordo que cheguei vindo de uma pequena povoação, numa estrada de terra batida, de terra, mas cuidada, recordo as pequenas flores que luziam mesmo com o calor tórrido do interior de Portugal, anunciando a presença de água. Recordo ouvir a água a correr e ser interrompida, no seu percurso, por rochas, fazendo do momento uma espécie de chilrear natural e não animal. Também me recordo do outro chilrear, agora o animal, seja de pequenos ajuntamentos de abelhas ou de passáros, que pela suavidade do seu canto, revelavam o seu pequeno porte. Recordo chegar uma pequena ponte, onde mal cabia um carro, por baixo dessa pequena ponte corria uma água de cor verde esmeralda. Um verde forte e cristalino. Recordo que saí do carro, sem desejo algum, a não ser estar. E deixei-me ficar. Primeiro debruçado sobre a pequena ponte, depois sentado numa pequena rocha. Não sei o nome deste lugar, nem me interessa sequer se tem nome. Talvez até nunca volte até ele. Mas as recordações sobre ele, perdurarão, talvez, até a minha memória existir. 

Sei que a minha viagem por Mação nunca irá terminar. Como o céu é grande e a terra é larga em Mação.

 

 

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