4 de Outubro de 2016, 5º dia nos Açores

Pela primeira vez, durante esta minha viagem, não tinha hora para acordar. Tinha deixado este espaço (a manhã do dia 4) na “agenda”, ou no plano de viagem, completamente livre. No dia anterior tinha subido à Montanha do Pico e não fazia ideia como o meu corpo iria reagir. Pelo sim, pelo não, optei, antecipadamente, por dar descanso a um corpinho provavelmente massacrado.

Mas acordei bem. Por volta das 8h30 já estava de pé e o meu corpo afirmava “estou pronto para outra”. Tive que lhe dizer, “calma! Subir ao Pico, outra vez, só para o ano”. Estava nas Lajes do Pico (que foi a minha base na ilha do Pico), no Whale’come. Pequeno hotel da (mítica) empresa Espaço Talassa (sim, aquela que “inventou” o Whale Watching nos Açores), mesmo ao lado da sua sede e ponto de partida para ver baleias. Com um imenso oceano à minha frente e com a imponente Montanha do Pico do meu lado direito (é impossível de esconder). Saí para o pequeno almoço ainda sem saber bem o que iria fazer. Mas ao passar pela rua (a caminho do restaurante do Whale’come e lugar do pequeno almoço), vi a agitação da equipa do Espaço Talassa, a preparar mais uma saída para o mar. Tinha ficado com um nome na cabeça, desde a minha saída para o mar, dois dias antes. Marcelo, o vigia das baleias. Nunca tinha pensado na parte do “num Oceano tão grande, como sabem onde estão as baleias?”. Quer dizer, sair para o mar para ver baleias, não é bem aquele programa que faço todas as 6as feiras à tarde, é uma coisa rara, o que, de certa forma, a torna especial, mas nunca tinha pensado muito em como, no mar, durante o Whale Watching encontravam as baleias. Seria com um sensor? As baleias tinham um chip? Não sei, vivemos em 2016, e já dou por mim a perguntar coisas ao meu telemóvel (e ele responde). Vivemos numa época em que existe tecnologia para tudo e mais alguma coisa, seria quase natural, existir uma coisa dessas para o Whale Watching. Tudo isto, sem pensar muito no assunto. Mas no dia em que saí para o mar, só ouvia o pessoal dizer “o Marcelo não está ver nada”, “o Marcelo viu qualquer coisa”, “o Marcelo diz que estão golfinhos ali”, Marcelo isto, Marcelo aquilo, ao início ainda me perguntei se Marcelo não seria o nome que deram ao sensor de ver baleias, tipo a Siri do meu iPhone (sim, é à Siri que pergunto coisas e ela responde-me sempre de forma muito simpática). Mas não, o Marcelo era uma pessoa “verdadeira”, com os seus 30 anos, que tinha como profissão vigiar baleias e que tinha como posto de trabalho uma torre de vigia, num ponto alto da ilha com uma visão privilegiada para o Oceano Atlântico. Existirá profissão mais romântica do que esta, em 2016? Duvido!

Voltando ao início da conversa, saí para tomar o pequeno almoço e vi a algazarra proporcionada por uma saída para o mar, para ver baleias. O que me lembrei de fazer? Ir conhecer o Marcelo! Não tinha pensado nisto antes, mas assim que pensei, pareceu-me logo a melhor ideia do Mundo. Tomei o pequeno almoço à pressa, perguntei se podia ir ver o Marcelo (a resposta foi sim!), vi mais ou menos onde ficava a torre de vigia, peguei numa bicicleta emprestada (impossível existir melhor meio de transporte para “caminhar” para um boa ideia) e segui em busca do Marcelo. Confesso que também tinha a esperança de ver baleias, mesmo que ao longe e de binóculos. O dia estava bonito, com o Sol a brilhar de vez em quando. Segui junto ao mar e até deu para ter uma perspectiva diferente das Lajes do Pico (a bicicleta a fazer magia). Como podem imaginar, para ver baleias a várias milhas da costa, para além de uns (bons) binóculos, é preciso estar num ponto alto. Portanto, acabada a marginal das Lajes, apanhei uma subida que nunca mais acabava (na verdade, acabou, tinha cerca de 2 quilómetros). Eu ria-me, mas deu para suar (e bem, e tirar quase toda a roupa que tinha). Acabada a subida, lá cheguei à romântica torre de vigia. Deixei a bicicleta junto à estrada. Com a esperança “aqui ninguém rouba bicicletas”. Segui, já a pé, por um estreito caminho entre muros de pedra, sempre a ver a torre e o mar. Bati à porta da torre. Aqui tive um pouco de receio. Tinham-me dito que o Marcelo às vezes estava de mau humor. Mas, ou tive sorte, ou as pessoas estavam enganadas, o Marcelo recebeu-me muito bem na “sua” torre, ao ponto de me sentir em casa. Verdade (também é verdade que sou um bocado sentimental e, às vezes, exagero). A pequena torre, com, não mais, de 10 m2, tinha dois andares, praticamente iguais. O Marcelo estava no andar mais alto. A torre pareceu-me estar no mesmo estado (mas bem conservada, a decoração é que era a mesma. Atenção, isto é bom!), em que estaria no tempo em que a vigia das baleias, era para as caçar e não para as admirar. Isto há 30 anos. A única diferença, no que toca a equipamento, seria o telemóvel do Marcelo.

Já instalado no piso superior da torre de vigia da Queimada, deixei o Marcelo trabalhar. Sentei-me e disse que não o iria chatear. Estava a mentir. Fiz-lhe 300 perguntas!! Estava hipnotizado com aquele lugar. Com uma vista imensa, delimitada por um freixo horizontal, que atravessava toda a frente da torre. Sinceramente, pensei que não já existissem lugares assim e profissões como esta. Não invejava o Marcelo, mas admirava-o. O Marcelo, sem tirar os olhos do mar, ia-me respondendo a tudo. Disse-me que aprendeu a profissão com o Pai, também ele vigia e, que aquele era o dia a dia dele, entre Março e Outubro, com um dia de descanso por semana, mas que mesmo nesse dia, o do descanso, ia espreitar as “suas” baleias. O Marcelo, mais do que um olhar apurado e conhecedor, é todo ele uma rede de contactos. Parecia uma secretária de uma multinacional a receber chamadas, ora de outros vigias, ora de pescadores (muitas vezes a chamar, indignado, piratas aos pescadores ilegais. Só me dizia, entre a chamada “temos que proteger o que é nosso”). Naquele momento percebi como ele dominava o mar imenso que tinha à frente. Aqui aplica-se a máxima “quem não sabe, é como quem não vê” e o Marcelo sabe.

Fiquei cerca de duas horas com o Marcelo. Mais do que suficiente para reforçar a admiração pelos vigias de baleias. Acredito que esta profissão não seja para qualquer um e acredito que nunca irá ser ensinada em nenhuma universidade. Eu melhor que ninguém sei que não é para qualquer um, porque bem espreitei pelos binóculos e nada (nem sabia para onde estava a olhar), só vi uns golfinhos e ele teve fixar os binóculos, para o meu olhar não ir parar a nenhum ponto distante. Para selar a despedida, apesar de ser eu o agradecido, o Marcelo ofereceu-me um belo chocolate suíço do seu lanche da manhã, segundo ele “tenho um monte deles em casa, sempre que vem um cliente da Suíça, digo-lhes, querem ver baleias? Têm que me dar um chocolate!! Felizmente há muitas baleias para ver nos Açores (e muitos clientes suíços), e muitos deles voltam e já trazem chocolates antes de irem para o mar”.

Eu é que não vi nenhuma baleia. Nem no mar, nem na vigia. Lá me despedi definitivamente do Marcelo. Segui na “minha” bicicleta, agora sempre a descer. Nem me lembro de pedalar até às Lajes. No caminho (rápido), de sorriso nos lábios, só pensava em como boas experiências podem surgir do nada. Belo momento.

Para a minha tarde estava programada um visita ao Túnel Lávico da Gruta das Torres e um passeio pela, diferente, vinha do Pico. O tempo teria que ser bem controlado, pois ao final da tarde (18h00), iria apanhar o barco para cidade de Velas, na ilha de São Jorge. O barco partiria da principal cidade da ilha do Pico, Madalena, bem perto da Gruta das Torres e da vinha da Criação Velha, que iria visitar. Tudo em caminho, portanto. Arrumei a minha trouxa e almocei no Whale´come. Iria partir por volta das 14h00. Já no final do almoço, aparece o Marcelo no restaurante. Assim que me viu, a rir-se disse-me logo “tiveste mesmo azar! Depois de saíres, o barco seguiu para o lado de São Jorge e lá viram um belo cachalote”. Ri-me sem achar piada nenhuma. Mas ainda não perdi a esperança. Até já sonhei com baleias. Tenho de resolver este “problema” rapidamente. Acho que nos meses de Abril e Maio, não falha. Vou voltar por essas datas.

À minha espera, às 14h00, estava a simpática Sónia, responsável pelas actividades em terra, do Espaço Talassa. Para me acompanhar durante as actividades da tarde. Connosco, iria também, um casal de norte americanos. O homem com cerca de 70 anos, mas bem estimado, e a mulher com cerca de 40. A viagem, de cerca de 30km, seguiu quase sempre junto à costa, com algumas paragens técnicas, para admirar algumas praias da ilha do Pico. Sem areia, semi-selvagens, mas todas muito bonitas. Quase todas tinham vista para a vinha e para a Montanha do Pico, e também para ilha do Faial.

As vinhas são muito curiosas. Todas elas baixas, colocadas entre pequenos compartimentos, definidos por pequenos muros de pedra. Tudo isto em solo vulcânico. Não sou perito em geologia, nem em vinha (apesar de gostar muito de vinho), mas parece-me algo extraordinário. Ainda para mais com micro clima do Pico, perito em repentinas mudanças de “humor”, com ventos fortes, chuvas e se necessário, em 5 minutos vem o Sol. Nem o mítico Borda d’Água safa a malta daqui. Não é à toa que a vinha do Pico é Património da Humanidade.

Demos um pequeno passeio pela vinha. Tive pena de não fazer todo o trilho da vinha da Criação Velha, com cerca de 9km. Mencionado várias vezes, por prestigiosas publicações internacionais, como um dos mais belos pequenos trilhos do Mundo. Não o fiz (o tempo não estica), mas consegui perceber o porquê de tais menções. Para completar o passeio ainda tive direito a uma pequena prova de vinhos, acompanhado com queijo e pão. E existe melhor coisa para se fazer numa vinha?! Parece-me que não!

Descontraídos, sentamo-nos na base dos muros, com toda uma panóplia de paisagens e cores distintas para admirar. Aqui perguntei ao americano, se estava a gostar dos Açores e se era primeira visita às ilhas. Respondeu-me que estava a gostar muito e que não era a primeira vez. Disse-me, meio a rir-se, que a primeira visita não tinha sido bem programada e que não tinha sido feita por vontade própria. Pensei, não é fácil alguém se enganar no caminho e vir parar aos Açores, tipo quando acaba a A23 e falhamos a placa de Lisboa e seguimos para o Porto, ou querer ir de comboio para Santarém, mas deixar-me dormir no Entroncamento e, quando acordo, estou em Lisboa. Como se riu, percebi também, que não tinha vindo ao hospital aos Açores e perguntei-lhe o que lhe tinha acontecido. Disse-me “ia num veleiro dos Estados Unidos para Inglaterra. Apanhei 3 tempestades pelo caminho e, não morri 3 vezes, por sorte. Tive que desviar a rota para os Açores”. Pensei, “uau!!”. Depois perguntei-lhe se já tinha ido a Portugal continental, ai foi a sua esposa a responder, muito rapidamente “o Pastel de Belém é o meu doce preferido de todo o sempre!”. O homem continuou a conversa, “temos um barco em Lagos, onde iremos começar, em breve, a última grande viagem da minha vida, durante 10 anos vamos fazer uma volta ao Mundo de barco”, só pensei “uau, uau, uau”, continuou “depois disso, compro uma quinta, planto uma vinha, e fico por lá até morrer”. Só lhe consegui responder, com a boca meio aberta, “parece-me um bom plano”. Quando já estava, tipo criança, a preparar-me para lhe fazer 350 perguntas e sonhar um bocado, diz a Sónia “bem, temos de ir, que está na hora da nossa visita à Gruta Torres”. Isto meus amigos, foi pior que tirar um chupa-chupa a miúdo de 5 anos, e dizer-lhe que não come mais porque está a chover. Não sei se foi por isto ou não (querer dizer, é claro que não foi por isto, apenas reforçou o sentimento), não gostei muito da visita à gruta. É imponente, muito escura, com certa de 1,5km de percurso. Acredito que para alguém com particular gosto ou conhecimento prévio (maior que o meu) sobre este tipo de fenómenos possa apreciar mais a experiência. Apesar de ser um espaço natural, com muito pouca intervenção do homem, senti, esta visita, muito como uma visita, do meu tempo de escola, a um qualquer museu e, eu, estava muito mais numa de vinhos, vinhas e conversas sobre viagens, do que para visitas a museus. 😉

Acabada a visita à gruta, era tempo de seguir para o porto da Madalena e seguir de barco para Velas, ilha de São Jorge. A viagem tinha a duração de cerca de 1h15m e ia ter a sorte de ver o pôr do sol no mar. Confesso que com a conversa do Marcelo, já no barco, ainda espreitei, de vez em quando, para o horizonte para ver se via alguma baleia. Mas em vão. Nada de baleias.

Era tempo do Pico dar lugar a São Jorge.

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