Dublin, Irlanda. Cidade, e país, que preenchiam o meu imaginário, até então, com pubs cheios de gente (e de música…e de cerveja…e de alegria….em sequência e como consequência umas das outras) e longos campos verdes, que terminavam no mar (sim, é uma ilha), onde pastavam ovelhas fofinhas. Sei que parece um cenário muito redutor e pouco imaginativo. Mas sempre olhei para esta cidade, e para este país, com bastante carinho. Carinho esse, partilhado com a Liliana, que a levou, num final de tarde quente do início do mês de Setembro, a dizer-me: “este ano vamos a Dublin no teu aniversário! Vou comprar os bilhetes.” A Liliana funciona mais ou menos assim. Decide e faz, se possível, no mesmo minuto. E assim foi, numa tarde chuvosa do dia 19 de Outubro, embarcámos em direção a Dublin.

Antes de avançar na história, uma recomendação. Este texto, para atingir a sua máxima consagração, deve ser lido ao som de música irlandesa (também poderia dizer ao som de música irlandesa e com uma cerveja Guinness a acompanhar, mas isso pode ser mais complicado). Sim, acredito em bandas sonoras para textos. E para este texto faz todo o sentido, torna a coisa mais sensorial, acredito que irão ficar ligados a ele de outra forma. Portanto, toca a pesquisar no youtube por nomes como Luke Kelly ou Sharon Shannon. Já está? Só peço que não coloquem o volume muito alto, pois podem começar a dançar (ou a correr para o bar mais próximo) e esquecem-se da minha história. Som a meia-haste e vamos a isso.

Era um dia especial. Existem pessoas que dizem que o seu dia de aniversário é igual a todos os outros. Para mim não é. Fico muito sentimental. Curiosamente nunca me deu para o lado das grandes festas, mas gosto sempre de fazer alguma coisa que me fique na memória. Normalmente são viagens que faço. Como exemplo, recordo o dia em fiz 30 anos, onde 5 dias antes pedi ao meu Pai para me levar a Bragança. Deixou-me lá com a minha bicicleta e uma mochila. Cheguei a casa precisamente no dia 19 de Outubro, depois de atravessar meio país de bicicleta. Este ano seria a vez de Dublin assumir a função de produtor de memórias.

Ophélia. Foi com este nome que chegámos a Dublin. Um furacão vindo de Sul que ameaçou assombrar-nos a viagem. Durante a semana, antes da partida, pensámos em: “ok, já não vamos” ou “vamos, mas levamos uma galochas e entramos num pub e não saímos de lá”. Na verdade o Ophélia apareceu, mas, felizmente, com menos intensidade do se esperava. A única coisa que nos fez alterar, para o programado de antemão, foi o cancelar de uma ida aos Cliffs of Moher. Lugar icônico e imponente, na Costa Atlântica, oposta a Dublin. Já era arriscar demasiado. Acho que num dia normal já não é fácil ir lá, com vento e chuva constantes, imagino num dia de furacão. Como só íamos ficar por Dublin de 5a (e na 5a íamos chegar já tarde a Dublin) a Domingo, todos os momentos tinham de ser bem pensados. Como queríamos uma experiência fora de Dublin, e os Cliffs estavam no patamar do “sem hipótese”. Programámos dois dias em Dublin e um dia nas Wicklow Mountains, que ficam a cerca de 40km de Dublin. 

Já era bem noite quando aterrámos em Dublin. Apanhar as malas, sair do aeroporto, procurar um táxi. Movimento habitual. Encontrámos um Táxi, entrámos nele e tivemos a primeira experiência genuinamente irlandesa. O taxista, com cara simpática, vira-se para nós em e diz: “asdas”#4/& %”an?*”#@ (“nGK, FOLKS!!!”. Ou seja, para os meus ouvidos, emitiu sons, só percebi uma palavra, folks, como uma espécie de ponto final na frase que disse. Só pensei: “tou lixado, não percebo nada do que eles dizem”. Fiz cara de parvo e olhei para a Liliana, para ver se ela tinha percebido. A cara dela estava igual à minha. A cara simpática do senhor eliminou vários cenários para esta frase, como por exemplo: “voltem para casa sacanas, folks!” Mas também poderia quer dizer coisas importantes e amigáveis como: “Onde se come bem em Lisboa, folks?”. Não poderia simplesmente abanar a cabeça a dizer que sim. Lá lhe disse não percebi nada do que ele disse. Lentamente, e aí já percebi tudo, mas dentro da simpatia dele, também traduziu a frase em gestos, disse: “amigos coloquem o cinto de segurança.”. Com este momento, e já sem a cara de parvo, senti-o como uma espécie de “bem-vindo a Dublin!”

Tivemos a nossa base no The Castle Hotel. Hotel tradicional colado ao centro da cidade. No dia do meu aniversário, na verdade, foi chegar e dormir. No dia seguinte, foi acordar e começar a desbravar Dublin. Não é uma cidade de pontos turísticos ou de lugares obrigatórios, é uma cidade para ser vivida. Agrada-me as cidades não óbvias, onde se sente uma maior liberdade, pelo menos na primeira visita. Em Paris, por exemplo, é quase obrigatório sair do avião disparado em direção à Torre Eiffel, e parece que vivemos numa angustia em quanto isso não acontecer. Em Roma, igual com o Colisseu. Em Dublin, somos livres. Foi basicamente isso que fizemos. Caminhar, quase sempre sem destino. Sem referências de lugares para tirar uma foto bonita para o Instagram. Fomos vivendo. Vivendo também à medida daquilo que os locais nos diziam para fazer na hora. Mas grande pressa de chegar. Perdemo-nos em mercados de roupa retro, caminhámos junto ao rio, entrámos e saímos em dezenas de pubs, entrámos em igrejas e, sobretudo, assistimos aos rituais diários do dubliners (a malta de Dublin). Muito curioso assistir a estes rituais. Talvez seja o ponto que mais me tenha marcado durante esta viagem. Muito cordiais e civilizados, simpáticos sem a efusividade latina. Fiquei com a sensação de ser uma cidade muito organizada. Sensação que foi transmitida, mais do que por ruas limpas ou transportes a horas, mas pela tranquilidade das pessoas. Respira-se qualidade de vida por aqui. Acho que não é por acaso que grandes empresas mundiais, como a Google ou Amazon, têm bases ali. Curiosamente, e voltando ao início da história, conceito bem distante do meu imaginário inicial de pubs e longos campos verdes. 

Mas também tive os meus momentos de turista. Que muito prazer me deram viver. Tirar uma foto de romance com a minha Liliana no jardim da igreja de St. Patrick, visitar a biblioteca antiga da Trinity College, onde foram filmadas algumas cenas épicas do Harry Potter, beber uma cerveja Guinness da Storehouse da…Guinness (é como beber um vinho reserva Quinta do Vallado na…Quinta do Vallado. É diferente, para melhor), que tem tanto de cliché como de prazeroso (dos “museus” mais bem conseguidos onde já fui. Salva de palmas para a Guiness), ou a entrar vezes sem conta no Temple Bar, o mais conhecido e comercial pub de Dublin (é muito turístico? É! Mas “who cares”, que é muito bom, é!). 

Os meus dias e, Dublin foram assim. Com músicas como o Irish Rover ou a Dirty Old Town a rondarem em loop na minha cabeça. No 3o dia, Domingo, e dia de partida para Lisboa (o nosso voo era ao final do dia), foi também o dia para sair de Dublin e ir em direção às Wicklow Mountains. Parque natural perto de Dublin, onde foram filmados filmes com o clássico românico PS I Love You ou o épico Braveheart (sim, a Irlanda disfarçou-se de Escócia). Apesar da chuva e do muito vento (como poderão ver no cabelo da Liliana nas fotografias mais abaixo), gostei muito deste parque. Tal como Dublin, transmite-me tranquilidade, quase como um misto de um selvagem civilizado. As cores, os cheiros, as casas, as pessoas. Senti-me a viajar no tempo e pensar que há 100 anos atrás aquele lugar provavelmente estaria cuidadosamente alinhado como está hoje. Mudei a música da banda sonora, para a Galway Girl. Era assim que tratava a minha Liliana por ali, a minha Galway Girl, de cabelos ao vento, a caminhar pelos bosques, lagos e montanhas da Irlanda. 

Voltamos já tarde, e perto do horário do nosso voo, a Dublin. Para, mais uma vez, caminhar de mão dada pelas ruas antigas da cidade, com as músicas, que falam sobre amores e desamores, a saírem dos pubs. Bonita esta Dublin.

Obrigado Liliana, por esta belíssima prenda. Vai pensado na do próximo ano. ❤️