Mesa. Pratos, copos e pessoas. A isto juntamos comida, e vá, vinho também. Como um passo de magia acontecem histórias. É este o maior poder de uma mesa. Histórias. Na região Centro existem muitas.

Muitas vezes existem histórias que fazem parte de nós há muito tempo e a nossa consciência não tinha essa ocorrência registada. A comida faz parte da minha história há muito tempo, mas só há pouco tempo registei esse facto. Tempo, sempre o tempo, a levar e trazer. A comida faz parte da minha história mesmo antes do tempo em gostava de comer. Penso que esta ligação carnal começou pouco tempo depois de eu começar a andar, algures no tempo em que o meu maior prazer era brincar, de preferência rodeado de pessoas que gostassem igualmente de brincar. A minha história com a comida, ou melhor, com as tradições gastronómicas, começou com as matanças em casas dos meus avós. Tanto paternos, como maternos. Não foi num restaurante bonito ou num programa da tv. Foi num lugar perto do lugar onde nasci, ao qual chamava de casa e onde estavam as pessoas que mais gostavam de mim. Não consigo dizer que idade tinha quando construí as minhas primeiras memórias, apenas consigo confirmar que foi há muito tempo, quase noutra vida, mas tão importante para construção desta que tenho agora. As “minhas” matanças juntavam mais família e amigos que o Natal. Ao mesmo tempo e ainda mais para uma criança, era certamente um dos dias mais longos do ano (desde o matar o porco até ao armazenamento das carnes), sim daqueles que não gostávamos que acabassem e que lutávamos com todas as forças que tínhamos contra soninhos e idas para a cama. Estou a falar de crianças é claro. Voltando às memórias, a minha recordação principal talvez seja mesmo a agitação desse dia frenético. Mulheres de um lado a preparar os enchidos, homens do outro a preparar o porco, mais gente em outro lado a preparar comida para esta gente toda. Crianças a correr à volta disto tudo. Depois um trazia um queijo não sei de onde, depois outro trazia o pão, depois alguém trazia o vinho, depois começavam-se a assar as primeiras carnes. Basicamente um dia inteiro em redor da comida, onde comer era o que menos importava. Era acima de tudo uma celebração. Um ano inteiro a alimentar e cuidar dos animais, um dia de festa, juntar família e amigos, e um ano inteiro de comida garantida. Penso que o tempo dos meus avós foi a fronteira da confirmação do último ponto, penso que na geração anterior, sem porco, sem matança e sem este depósito de comida, não havia mesmo comida. Talvez pela genuinidade do momento, pelas pessoas, pela informalidade (lembro-me que ia sempre de botins), gostava mais desta festa do que qualquer outra. Nesta altura ainda não ligava muito a comer.

 

Esta história pertence ao projeto Retratos do Centro de Portugal. Vão ser construídos 365 retratos, 365 pequenas histórias, sobre toda a grande Região Centro de Portugal. Podem consultar todos os retratos aqui.

 

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