PESSOAS DE CASTELO DE VIDE: BELMIRA BRANQUINHO

Seguindo a eterna premissa de que a melhor forma de conhecer um lugar é através das suas gentes, o destino traçou o caminho em direção à “Casa Belmira”, o destino e não só, o maravilhoso cheiro a bolinhos acabados de fazer que impediria qualquer um de se desviar desta rota. Chegar à “Casa Belmira” é como chegar à casa dos nossos avós. É um lugar onde nos sentimos confortáveis de forma imediata e natural, e onde tudo parece estar no sítio certo, como se a evidência do espaço nos transportasse para uma memória familiar. Ou talvez tudo isto seja um culminar de uma certa embriaguez pelo cheirinho maravilhoso que chega do coração da casa: a cozinha.

Existem pessoas que carregam em si a essência do lugar onde nasceram e viveram. Na grande maioria das vezes esse processo ocorre de forma tão genuína que a consciência dele lhes é totalmente alheia. Apenas pela palavra dos outros e pela constatação desse facto, essas mesmas pessoas conhecem a sua importância, mas como geralmente a humildade e uma certa inocência lhes é comum, não deixam que isso as envaideça e persistem simplesmente na sua vida normal, de todos os dias. Em certos lugares, pessoas como essas tornam-se instituições, verdadeiras embaixadoras de um território a que decidiram chamar de casa, algumas de forma deliberada, outras fruto apenas das circunstâncias da vida. A Dona Belmira é uma dessas pessoas e conhecê-la é perceber parte da história de Castelo de Vide, parte do que faz deste lugar, um lugar especial, um lugar diferente. 

Na Rua Almeida Sarzedas, cheira a maçã, a canela e à certeza de querermos entrar naquela porta por baixo do número 31. Como o nome indica, a Dona Belmira é a dona da casa, e a sua presença é tão forte, que percebermos de forma imediata que aquele lugar lhe pertence, como se fossem indissociáveis. Antes de conhecermos a sua história, parece por demais evidente que a Dona Belmira tenha feito dos bolos a sua vida e que esse tenha sido um dos seus primeiros capítulos, tal como sabemos será o último, mas nem tudo se escreve pelas evidências e ao contrário do que parece ser tão óbvio, é afinal entre linhas e agulhas que a sua vida profissional começa.  

Belmira do Carmo Branquinho nasceu em Castelo de Vide e há mais de 80 anos que chama Casa a este lugar. A sua presença dentro daquele espaço impele a uma certa reverência, talvez pela certeza do seu saber, talvez pela própria história por ela ali inscrita, talvez pelos mais de 50 anos que leva na sua arte. As palavras de Belmira revelam modéstia, como se não conhecesse propósito na curiosidade do outro por si ou por achar simplesmente que o seu ofício terá mais em si de ganha-pão do que de arte propriamente dita. Mas a arte está-lhe escrita nas palmas das mãos, e a paixão pelo que faz assume-se rapidamente como a grande chave do seu sucesso.

Belmira começa a desenrolar o novelo da sua história quando frequentava ainda a 2ª classe, e existe uma nostalgia no tom com que discorre sobre essa época. Conta que embora a escola fosse já nessa altura de frequência obrigatória, essa não era uma verdade inabalável, e no seu caso, infelizmente, eram muito mais as vezes em que não ia do que as que ia efetivamente, em grande parte por ter de cuidar dos seus irmãos mais novos. Chegado o momento de fazer o exame da 3ª classe, a professora impediu-a de o fazer pela frequência da sua assiduidade nas aulas ter sido tão escassa e Belmira assume esse desfecho como um grande desgosto. 

Tendo abandonada a escola de forma tão precoce, seria também ainda muito nova que se iniciaria no mercado do trabalho. Pela mão de uma mestra, Belmira aprendeu os segredos do mundo da costura, revelando algum fascínio pelo trapos e pelas invenções que os mesmos lhe permitiam criar. Deixando essa primeira mestra, começou a trabalhar com várias outras, conseguindo começar a ganhar algum dinheiro. A certa altura Belmira conseguiu ter as suas próprias empregadas, e passou ela para o lugar de mestra. Foi ainda enquanto modista que casou e teve a sua primeira filha, mas o aumento da carga fiscal impossibilitou-a a certa altura de manter as suas empregadas, bem como o aparecimento crescente de lojas de pronto-a-vestir. 

Pela inviabilidade de se conseguir manter no negócio da costura, Belmira passa alguns anos a trabalhar numa sociedade, onde desempenha várias funções, mas a certa altura decide voltar a criar algo seu e, juntamente com o marido, começam a gerir uma taberna, onde além de venderem copos de vinho, vendiam também petiscos e o típico café de cafetaria, sempre acompanhado de uns bolinhos. O bolinho de eleição, era já nessa época a sua famosa boleima, que vendia por 5 tostões, sendo que a sua mãe havia já sido padeira, pelo que esse mundo não lhe era de forma nenhuma desconhecido. 

“A falta de clientes não é um problema, mas vende-se menos e agora, ao contrário de quando comecei, já não sou a única a fazer estes bolos”. Belmira assume a fragilidade trazida na consequência da pandemia, mas depressa nos indica nas palavras e nos gestos que não entregará os pontos ou baixará os braços perante a tormenta. Existe uma sapiência no seu discurso que resulta do meio século a que se dedica a esta profissão, e ao mesmo tempo uma grande vontade de se manter à frente do negócio enquanto principal responsável, embora hoje em dia já conte com a ajuda da sua filha Elisa. 

Na “Casa Belmira” existem além das famosas boleimas, bolos da massa, bolos finto, enxovalhadas, queijadas, bolos de manteiga, broas de mel, esquecidos, areias e a lista continua. Mas muito além do que aquilo que nos adoça a boca, existe acima de tudo, alguém com muito amor pelo que faz. A Dona Belmira é muito mais do que a dona de um estabelecimento lendário da vila de Castelo de Vide, a Dona Belmira e as suas boleimas são também parte da identidade deste lugar e um cartão de visita para um regresso obrigatório.

Julho 2020

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