VILA VELHA DE RODÃO

Vila Velha de Rodão, vila raiana, pertencente à antiga Província da Beira, entretanto sub-dividida, ficando esta vila no grupo de territórios que formam a região da Beira Baixa. Para mim, Vila Velha de Rodão, é como um velho conhecido com ares de clássico. Terra que os meus pés já pisaram com rotina, terra do Tejo, onde o meu corpo já mergulhou com prazer. Vila Velha hoje conta quase 4000 habitantes, divididos por 4 freguesias. É um lugar de fronteiras curiosas. Faz fronteira com Castelo Branco, capital de distrito e maior urbe da região. Faz fronteira com Espanha, elevando o espírito raiano. E ainda faz fronteira com Nisa, terra do Alto Alentejo. Sim, estamos na presença de um território multicultural, marcado pela presença do rio Tejo.

Regressei a Vila Velha de Rodão no Outono de 2019. Como já referi, foi como visitar um velho amigo.

Era cedo e estava aquele frio fininho que cheira a início de Inverno. Vento fazia-se ouvir, como se estivesse a contornar objetos e com momentos de via aberta onde a velocidade aumentava. Estava no topo da elevação que marca o lado Norte do monumento natural chamado de Portas de Rodão. Ao meu lado estava uma fortificação acompanhada de uma lenda que se perde no tempo. Estava no Castelo do Rei Wamba. E qual a história deste rei de nome africano? Passo a explicar, segundo a lenda:

“Nas portas de Ródão do lado do Beira Baixa (Norte do Tejo) vivia um Rei que tinha lá um Castelo que se chamava Rei Wamba e que dominava este lado. Este era um guarda avançado da Egitânia (Idanha-a-Velha).
O lado de lá era dominado por um Rei Mouro.
A mulher do Rei Wamba perdeu-se de amores pelo Rei Mouro e este para a raptar tentou fazer um túnel que passaria por baixo do Tejo para a poder ir buscar.
Os cálculos do Rei Mouro foram mal feitos e o buraco saiu acima do nível das águas (conforme ainda se pode ver). A mulher do Rei Wamba entrou em pânico e o Rei Wamba descobriu a finalidade do buraco.
O Rei Wamba vendo a paixão que ela manifestava pelo outro, ofereceu-a então ao outro Rei como presente, mas sendo atada à mó de um moinho, rolando pelas encostas até ao rio Tejo. Pelo sítio onde passou a mó com a mulher do Rei Wamba atada nunca mais nasceu qualquer vegetação, conforme hoje ainda se pode verificar no local.”

De lágrima no olho, provocada pelo movimento natural do vento, cabelo meio despenteado e a minha cabeça em loop de viagem no tempo, para uma era desconhecida, onde o Rei Wamba era dono e senhor do pedaço, imaginando-me a pisar o mesmo pedaço de terra do rei e imaginando o olhar do rei das terras e províncias além-tejo. Este loop de viagem fantástica tem o dom de hipnotizar e conectar com os lugares. Fazendo deles lugares mágicos. O lugar é muito bonito. Mas prefiro olhar para ele além da estética.

Com Rei Wamba, e a sua fortaleza que quase tocava no céu de Vila Velha, no pensamento, desci a estrada da montanha, como quem desce uma escadaria real, em direção ao rio e à vila.

Dizem que o amor é um lugar estranho, feito de imperfeições e não definições. É assim a minha relação com o Tejo, o rio. Um amor sem explicação. Talvez o pedaço de natureza que mais admiro. Talvez por ser umbilical, talvez por ser, mesmo, um pedaço de natureza extraordinário. Reconheço, no entanto, as suas imperfeições e desvarios. Mas nada muda o sentimento. Nada impede aquele meu sorriso tímido de cada vez que o olho. Seja em Vila Velha, seja à porta de minha casa, seja quando atinge a sua plenitude na chegada à capital e ao mar. Para mim, é o mesmo e bonito rio que me viu crescer. Cada rasgo de rio, é uma história em forma de quadro.

Em Vila Velha de Rodão o meu Tejo tem uma forma muito particular. Ganha forma de filme épico. O maciço quartzítico da Beira Baixa forma um portal, com duas paredes gigantes (cerca de 180m de altura) e uma entrada para o rio passar. Um cenário digno de um qualquer Senhor dos Anéis, que faz o meu rio brilhar. Sobretudo se pensarmos que foi o Tejo que escavou esta abertura. Além o poder de “fogo” do Tejo, ganha a alma poética de um artista plástico. Esta relação natural chama-se Monumento Natural das Portas de Rodão, fazendo, só a proximidade, valer uma viagem. É imponente e gracioso ao mesmo tempo. E deixa o Tejo tão bonito. Orgulho.

Já depois de ter percorrido as ruas apertadas da vila, encontrei o senhor António Pinto no cais de Vila Velha, com o seu gato Tejo (nome original), a pescar. O senhor António, do alto dos seus 71 anos, é uma figura carismática. Percebi isso ainda não tinha começado a falar com este mestre de água doce. Pele enrugada e morena, bigode e chapéu mexicano, postura descontraída e fotografia do neto a sair-lhe do bolso. Nem 5 minutos de conversa e o senhor António já me tinha contado sobre o lugar onde nasceu, que com 1 mês de vida já estava no rio, que a sua juventude era dividida entre uma ilha no meio do rio e Vila Velha, fruto da sazonalidade do leito do rio (antes das barragens), também me contou como o rio era diferente e como a vida era dura. Sempre a sorrir. Gostei muito do senhor António. Depois ainda me contou que foi militar em Moçambique e que por lá casou, que regressou a Vila Velha e que teve um minimercado durante 39 anos. Hoje, reformado, pesca por diversão. Muitas das vezes só para dar alimento ao seu companheiro Tejo. Nunca parou de sorrir e já íamos na meia hora de conversa. Confesso que por vezes desligava da conversa do momento e viajava no tempo a imaginar o senhor António há 40 anos. Gostei muito do senhor António. Sim, eu sei que já tinha mencionado isto, mas sinto necessidade de reforçar. Cada vez que pensar no Tejo e em Vila Velha de Rodão, vou recordar-me dele. As pessoas fazem os lugares e, para mim, Vila Velha de Rodão é muito o senhor António.

Vila Velha de Rodão, vila raiana, pertencente à antiga Província da Beira, entretanto sub-dividida, ficando esta vila no grupo de territórios que formam a região da Beira Baixa. Para mim, Vila Velha de Rodão, é como um velho conhecido com ares de clássico. Terra que os meus pés já pisaram com rotina, terra do Tejo, onde o meu corpo já mergulhou com prazer. Vila Velha hoje conta quase 4000 habitantes, divididos por 4 freguesias. É um lugar de fronteiras curiosas. Faz fronteira com Castelo Branco, capital de distrito e maior urbe da região. Faz fronteira com Espanha, elevando o espírito raiano. E ainda faz fronteira com Nisa, terra do Alto Alentejo. Sim, estamos na presença de um território multicultural, marcado pela presença do rio Tejo.

Regressei a Vila Velha de Rodão no Outono de 2019. Como já referi, foi como visitar um velho amigo.

Era cedo e estava aquele frio fininho que cheira a início de Inverno. Vento fazia-se ouvir, como se estivesse a contornar objetos e com momentos de via aberta onde a velocidade aumentava. Estava no topo da elevação que marca o lado Norte do monumento natural chamado de Portas de Rodão. Ao meu lado estava uma fortificação acompanhada de uma lenda que se perde no tempo. Estava no Castelo do Rei Wamba. E qual a história deste rei de nome africano? Passo a explicar, segundo a lenda:

“Nas portas de Ródão do lado do Beira Baixa (Norte do Tejo) vivia um Rei que tinha lá um Castelo que se chamava Rei Wamba e que dominava este lado. Este era um guarda avançado da Egitânia (Idanha-a-Velha).
O lado de lá era dominado por um Rei Mouro.
A mulher do Rei Wamba perdeu-se de amores pelo Rei Mouro e este para a raptar tentou fazer um túnel que passaria por baixo do Tejo para a poder ir buscar.
Os cálculos do Rei Mouro foram mal feitos e o buraco saiu acima do nível das águas (conforme ainda se pode ver). A mulher do Rei Wamba entrou em pânico e o Rei Wamba descobriu a finalidade do buraco.
O Rei Wamba vendo a paixão que ela manifestava pelo outro, ofereceu-a então ao outro Rei como presente, mas sendo atada à mó de um moinho, rolando pelas encostas até ao rio Tejo. Pelo sítio onde passou a mó com a mulher do Rei Wamba atada nunca mais nasceu qualquer vegetação, conforme hoje ainda se pode verificar no local.”

De lágrima no olho, provocada pelo movimento natural do vento, cabelo meio despenteado e a minha cabeça em loop de viagem no tempo, para uma era desconhecida, onde o Rei Wamba era dono e senhor do pedaço, imaginando-me a pisar o mesmo pedaço de terra do rei e imaginando o olhar do rei das terras e províncias além-tejo. Este loop de viagem fantástica tem o dom de hipnotizar e conectar com os lugares. Fazendo deles lugares mágicos. O lugar é muito bonito. Mas prefiro olhar para ele além da estética.

Com Rei Wamba, e a sua fortaleza que quase tocava no céu de Vila Velha, no pensamento, desci a estrada da montanha, como quem desce uma escadaria real, em direção ao rio e à vila.

Dizem que o amor é um lugar estranho, feito de imperfeições e não definições. É assim a minha relação com o Tejo, o rio. Um amor sem explicação. Talvez o pedaço de natureza que mais admiro. Talvez por ser umbilical, talvez por ser, mesmo, um pedaço de natureza extraordinário. Reconheço, no entanto, as suas imperfeições e desvarios. Mas nada muda o sentimento. Nada impede aquele meu sorriso tímido de cada vez que o olho. Seja em Vila Velha, seja à porta de minha casa, seja quando atinge a sua plenitude na chegada à capital e ao mar. Para mim, é o mesmo e bonito rio que me viu crescer. Cada rasgo de rio, é uma história em forma de quadro.

Em Vila Velha de Rodão o meu Tejo tem uma forma muito particular. Ganha forma de filme épico. O maciço quartzítico da Beira Baixa forma um portal, com duas paredes gigantes (cerca de 180m de altura) e uma entrada para o rio passar. Um cenário digno de um qualquer Senhor dos Anéis, que faz o meu rio brilhar. Sobretudo se pensarmos que foi o Tejo que escavou esta abertura. Além o poder de “fogo” do Tejo, ganha a alma poética de um artista plástico. Esta relação natural chama-se Monumento Natural das Portas de Rodão, fazendo, só a proximidade, valer uma viagem. É imponente e gracioso ao mesmo tempo. E deixa o Tejo tão bonito. Orgulho.

Já depois de ter percorrido as ruas apertadas da vila, encontrei o senhor António Pinto no cais de Vila Velha, com o seu gato Tejo (nome original), a pescar. O senhor António, do alto dos seus 71 anos, é uma figura carismática. Percebi isso ainda não tinha começado a falar com este mestre de água doce. Pele enrugada e morena, bigode e chapéu mexicano, postura descontraída e fotografia do neto a sair-lhe do bolso. Nem 5 minutos de conversa e o senhor António já me tinha contado sobre o lugar onde nasceu, que com 1 mês de vida já estava no rio, que a sua juventude era dividida entre uma ilha no meio do rio e Vila Velha, fruto da sazonalidade do leito do rio (antes das barragens), também me contou como o rio era diferente e como a vida era dura. Sempre a sorrir. Gostei muito do senhor António. Depois ainda me contou que foi militar em Moçambique e que por lá casou, que regressou a Vila Velha e que teve um minimercado durante 39 anos. Hoje, reformado, pesca por diversão. Muitas das vezes só para dar alimento ao seu companheiro Tejo. Nunca parou de sorrir e já íamos na meia hora de conversa. Confesso que por vezes desligava da conversa do momento e viajava no tempo a imaginar o senhor António há 40 anos. Gostei muito do senhor António. Sim, eu sei que já tinha mencionado isto, mas sinto necessidade de reforçar. Cada vez que pensar no Tejo e em Vila Velha de Rodão, vou recordar-me dele. As pessoas fazem os lugares e, para mim, Vila Velha de Rodão é muito o senhor António.

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