Piodão. Aldeia feita de casas cuidadosamente alinhadas, quase todas de xisto, quase todas com aquele pormenor em azul, seja na porta ou na janela, a estabelecer aquele contraste especial. Por falar em especial, esse será sempre um adjectivo chave, quando o tema é Piodão. Parece que cada ponto desta aldeia foi iluminado por qualquer toque de magia, que a faz ser muito muito especial e que faz sentir especial quem lá passa, quase como uma benção. Pertence ao concelho de Arganil, localizada numa das encostas norte da Serra do Açor, protegida quase com um pequeno segredo. Sim, um daqueles segredos que podemos contar e falar sobre. Sempre com muito cuidado e carinho. Este não é lugar secreto, mas com certeza que é um lugar sagrado.

A minha viagem por este lugar começa muito antes de lá chegar. A Serra do Açor é, para mim, mais um lugar que leva aquele rótulo de “parece que foi abençoado pelos Deuses”. A estrada que me leva a Piodão é de cortar a respiração. Uma imensidão de declives que me faz sentir pequenino. É impossível não parar o carro e sair para contemplar, em silêncio e apenas com o vento na cara, a majestosa imponência da natureza. Volto para o carro e continuo o caminho em direção a Piodão, muitas vezes em zig zag, curva atrás de curva, com o verde a misturar-se com o castanho, e algumas vezes a surgir o branco e vermelho, bem lá ao fundo, anunciando a presença de uma aldeia e, consequentemente, de presença humana. De ser arrebatador acordar todos os dias com uma vista assim. São quilómetros e quilómetros assim, de contemplação. Já com o aproximar de Piodão a ser anunciado por um incremento de placas indicativas, eis que, quase sem dar conta, ainda lá no alto da serra, a seguir a uma, aparente, normal curva, surge lá em baixo uma aldeia que assume contornos tais de perfeição que nem parece real. Parece fabricada pela nossa imaginação, quase como uma miragem ou um cenário de um filme de fantasia. Ainda a alguns quilómetros de distância é impossível não ficar rendido a este lugar. Depois do primeiro avistamento assume uma posição magnética. É difícil tirar os olhos da aldeia. E quando ela desaparece, até parece que fica uma espécie de silêncio inconsciente, na ansia de a voltar a ver. Para os encantados por lugares mágicos como eu, a adrenalina sobe a pico. Não acelero, mas desfruto cada segundo da viagem até lá. Quando chego, ainda o dia ia nas primeiras horas, percebo que iria ter a aldeia quase só para mim. Eram quase nulos os carros estacionados no parque à entrada da aldeia e imperava um silêncio que elevava o som da natureza. Tão bom.

A aldeia que parece minúscula quando vista do alto da serra, ganha novos contornos e nova dimensão. Saio do carro, apressado, para viver tudo. Engraçado como, depois de tantos anos a viajar, ainda fico “louco” por uma pequena aldeia perdida na serra. A primeira imagem é da Igreja Matriz, que funciona como porta de entrada da aldeia. Sente-se a dimensão de histórias que esta aldeia deve ter para contar ao dar de caras com este antigo templo com algumas centenas de anos. Nesse momento, parece que a minha imaginação ganha nova força e imagino como seria chegar a este lugar há 200 anos. Sem estradas, sem automóveis. A Igreja, talvez com outra forma, já lá estaria. Imagino este lugar feito de pessoas boas, que nasciam por ali e que por ali morriam, que viviam do que a terra lhes dava e com as dificuldades inerentes a quem está longe de tudo. Imagino também como um lugar onde iriam parar alguns foras da lei, que queriam fugir dos olhares mundo lá fora, talvez para sempre, e que por ali assentariam arraiais, talvez com uma nova identidade, para começar uma nova vida. Consigo imaginar muitas coisas, são sonhos e imaginação que fazem lugares como este. Talvez, hoje, este lugar se mantenha assim, e é tão valorizado, pelos anos que se manteve esquecido no passado. Muitas vezes o tempo e a história fazem destas coisas. Começo a explorar a aldeia, sinto-me a entrar num labirinto. Nas ruas do coração da aldeia não entram carros e parece que foram construídas para o tamanho de uma pessoa. Facilmente me perco por ali, mais facilmente me encontro. Nem que seja por simples coisas, que não se ouvem, nem vêm em outros lugares. Ouço o sino da igreja ou o padeiro. O som é tão nítido, que assume forma de bússola. Quase como o som o tempo a passar. É difícil o contacto humano, a freguesia de Piodão apenas tem cerca de 200 habitantes, espalhados por 10 aldeias. Nem sei quanta gente vive permanentemente nesta aldeia. Mas quase todas as casas estão, imaculadamente, cuidadas. Acredito que muitas sejam segundas casas ou casas convertidas a turismo. Aqui a pessoas ganham novo valor, talvez noutro lugar não investisse o meu tempo a observar os poucos locais que por ali circulavam nos seus afazeres diários. Cuidar da horta, cuidar do espaço em frente a sua casa ou tão simples, tão importante e tão raro, conversar com os vizinhos Todos muito simpáticos e orgulhosos da sua terra. Percebo perfeitamente a razão do orgulho.

Outro ponto importante e tão único, que parece que já só existe em lugares como Piodão. É o tempo. Parece que pára. Parece que não interessa. Não interessa relógio, nem tecnologia. Uma boa conversa ganha outro valor, e sobre coisas tão simples que tantas vezes nos fogem. Como o simples bem estar do próximo ou o relembrar histórias do passado. Acho que para além da fisionomia da aldeia, que ficou perdida no tempo, a cultura e os valores também. A viagem no tempo não é só visual, também mexe com outros sentidos. Sento-me num banco de pedra junto a uma casa e deixo o tempo passar. Sem pressa de coisa alguma. Momentos assim, são tão raros e tão difíceis de obter, que a simplicidade dos mesmos se transforma em perfeição. Para mim, acima de tudo, Piodão é isto. Simples e perfeito.

Quando já estava arrebatado pela magia do lugar e já de partida, eis que Piodão volta a surpreender. Pela aldeia estão espalhadas diversos sinais a indicar passagem de percursos percursos pedestres, com placas indicativas para pequenas aldeias em redor de Piodão. Decido “embarcar” no caminho que me iria levar até Foz d´Égua. Pouco mais de 3km separam estas aldeias por este caminho. Em boa hora o fiz. Chegar a Foz d’Égua é chegar um cenário que oscila entre o Senhor dos Anéis e a Guerra dos Tronos. Que lugar incrível. Parece um segredo dentro de outro segredo. Pontes de pedra, uma ponte suspensa de madeira, o som da água da ribeira, a água cristalina, tudo cuidadosamente alinhado, a roçar o difícil de descrever, porque certamente ficará aquém da realidade. Talvez isso seja bom. A surpresa será sempre garantida. Estava, mais uma vez, sozinho na aldeia. Sentia-me como o Frodo no Shire (o Shire é o lugar encantado onde os hobbits vivem 😉 ). Queria ver todos os cantos, tocar em todas as pedras e ver onde vão dar todos os riachos. Quanto a adrenalina desceu, sentei-me uma pequena ponte, com os pés a baloiçar sobre a água e a sentir-me abençoado. Abençoado por poder ver e sentir lugares como este. Por ter o privilégio de poder desligar o relógio e deixar o tempo passar e poder, simplesmente, ver e ouvir a água a passar. Que lugares como este perdurem para sempre.

Já de regresso e depois de ter feito novamente o caminho de volta (existe a opção de fazer o percurso circular passando também pela aldeia de Chãs d’Égua), sentia-me envolvido por uma espécie de magia. Sentia que tinha acabado de sair de um universo paralelo. A grande diferença deste sentimento em relação a outras viagens pela minha imaginação, é que o tinha acabado de viver era real. Existem mesmo lugares mágicos e Piodão e o seu segredo Foz d’Égua, são mesmo mágicos e, pasmem-se, são reais.

Tal como já referi, estes lugares não secretos, são sagrados. Vão e vivam-nos intensamente. Mas façam-no com cuidado, porque são sensíveis e raros. 



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INFORMAÇÕES

História construída em parceria com a Câmara Municipal de Arganil. Para mais informações consultar o site Visit Arganil.

Mapa percurso pedestre PR2 – “Os Povos das Ribeiras de Piodam”

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