Acordei por volta das 7h30. Era o primeiro dia de viagem e nestes dias a adrenalina apaga qualquer tipo de molenguice. Corri (quer dizer, não foi bem correr) de imediato para janela, no meu quarto no Hotel do Canal, para ver como estava o (sempre instável) tempo (e claro, é impossível não notar a imponente montanha do Pico, mesmo em frente à minha janela). Parecia tudo impecável.

O meu “mentor” e apoio logístico na ilha do Faial, seria o Bruno, da Tobogã Azores. Troquei vários emails com o Bruno, nos dias anteriores à chegada aos Açores, sobre qual a melhor opção para mim, para retirar o melhor do Faial, no pouco tempo que iria ter nesta ilha. O trilho dos 10 Vulcões, que liga a Caldeira (1000m de altitude e ponto mais mais alto da ilha) ao Vulcão dos Capelinhos, junto ao mar, na ponta oeste da ilha, pareceu-nos desde o início a melhor opção. Têm cerca de 21km e passa por alguns dos mais emblemáticos lugares da ilha, e por 10 vulcões. Para fazer a pé. Como acaba num ponto 21km afastado do ponto inicial, precisava de alguém que me levasse e fosse buscar. Desde logo que o, super prestável, Bruno se prontificou a fazê-lo. Combinámos às 9h00 na porta do Hotel.

Tomei um belo pequeno almoço. Coloquei na mala o essencial (casaco, comida, água e mais umas pequenas coisas). Às 9h00 lá chegou o Bruno. Demorámos cerca de 20 minutos a chegar
à Caldeira, ponto inicial da minha caminhada. Estava um frio dos diabos lá em cima. Vento frio e um nevoeiro a soar a místico. Assim que o Bruno partiu, antes de começar (verdadeiramente) a caminhada, fui ao miradouro (oficial) da Caldeira, para ter o primeiro contacto com a mesma. É muito mais imponente do que imaginei. Nenhuma das fotografias que vi, faz justiça à beleza e dimensão da coisa. Não perdi muito tempo no miradouro, porque iria “levar” com a Caldeira nos primeiros 4km (contornei metade da Caldeira). Comecei a caminhar no sentido anti-horário, aquele que vem marcado nos mapas como os sentido correto para os 10 Vulcões, embora o trilho completo da Caldeira seja circular e cada um escolhe o sentido por onde começar. Caminhei cerca de 500m, em ligeira subida, com a enorme Caldeira do meu lado esquerdo. Dou de caras com um grupo de vacas e dois novilhos no meu caminho (sim, um novilho. Um novilho é touro mais pequeno). Estava a cerca de 100 metros dos animais. Parei de imediato e fiz umas contas de cabeça: “epá um novilho não é uma vaca, é um touro pequeno, na minha terra (Ribatejo) os touros são sempre mais bonitos do outro lado da cerca. Mesmo que os novilhos dos Açores sejam mais zens que os do Ribatejo, é melhor não arriscar a levar uma marrada e ir parar ao fundo da Caldeira”. Voltei para trás. Não quis arriscar e chegar mais perto para saber se era manso. E depois não tinha qualquer ponto de fuga. O trilho era estreito e um precipício de cada lado. A sorte é que também dava para ir por outro caminho (fazer a Caldeira no sentido horário). E assim foi. O pior, é que esta alternativa não é o caminho oficial por acaso. Muito mais íngreme e escorregadio e com um nevoeiro cerrado. Mas lá segui, antes isto que uma (má) relação com novilho açoreano.

Todo o trilho seguiu no perímetro da Caldeira. Sempre que o nevoeiro limpava um pouco lá dava para espreitar lá para baixo (nem sei qual a altura desde a base até lá abaixo, mas por certo que ainda são umas valentes dezenas de metros). Depois de cerca de 2km o céu limpou por completo, quase que por milagre e de um momento para o outro (normal nos Açores). Juro que assim que limpou, pensei que estava a ver o céu do meu lado esquerdo, e na verdade estava, mas além do céu, era um azul do oceano imenso. Foi uma alegria tão grande, por ver tamanha beleza. Parecia uma criança acabada de receber um brinquedo novo. Lá segui todo contente e muitas vezes indeciso entre olhar para o mar ou para a Caldeira (a sorte é que, muitas vezes, bastava olhar em frente para ver os dois). Esta Caldeira tem um encanto que ainda não consigo explicar, confesso que no início tinha muito aquela ideia de “caldeira sem água!?”, mas agora sinto uma atração especial por este gigante “alguidar” verde (está coberto por vegetação).

Ia tão contente com o dia e paisagens bonitas que passei a placa de viragem para os 10 Vulcões (na verdade ela estava caída, mas mesmo assim passou-me). Eu já estava a estranhar e sentia-me a dar mais que meia volta (o meu percurso na Caldeira iria terminar no ponto mais a oeste), mas nem liguei muito, ia tão bem disposto, só quando vi que já estava a ser demais é procurei a minha localização do telemóvel. Resultado: estava no ponto mais a norte da Caldeira. Percebi logo tinha feito 1/4 de percurso enganado. Voltei para trás tipo flash. Lá encontrei a placa caída e saí do trilho da Caldeira.

Depois foi fazer alguns quilômetros em zig zag em estrada larga, de piso vulcânico e vegetação densa (e muito verde) nas laterais. Muito giro este contraste. Do nada (mas sem me enganar) surge uma placa de viragem dos 10 Vulcões para dentro da floresta. Era o início da secção das levadas. Percurso engraçado, em floresta densa e fechada, lado a lado com os famosos canais de água, cheio de mini pontes cobertas de musgo. Silêncio absoluto e um cheiro a terra molhada incrível. Acabado o trilho das levadas, entro numa nova secção, com um tipo de floresta completamente diferente (foi sempre assim, parecia que estava a entrar em diferentes mundos), quase sempre a descer, por uma escadaria (ou plataformas) gigante, numa boa relação entre a mão do homem e a natureza. Nem dava para ver o céu. Do nada acaba este trilho, entro numa estrada rural, com uma vista fabulosa para campos de pasto açoreanos e um mar gigante azul. Um mix entre o verde e o azul, com umas estradas vermelhas pelo meio, com uma amplitude de visão gigante. Passo do escuro da floresta, onde não via além de 2 metros à frente, para um cenário  de cores carregadas, com um horizonte infinito à frente, enfim, Açores.

Entro por um caminho de pasto muito bonito, onde caminho pouco tempo. De seguida entro numa estrada de terra vermelha, onde já sentia (e via) o mar cada vez mais perto. Caminhei, caminhei pela estrada vermelha, acabou a estrada vermelha, começou o alcatrão (que estava a apanhar pela primeira vez). Andei pelo alcatrão e estranhei estar a andar por lá durante tanto tempo, pelo que li e pelo que o Bruno me disse não existia nada assim. Comecei a desconfiar que tinha perdido o trilho e que consequentemente estava perdido, uma vez que apenas me estava a guiar pelas marcações do caminho. Tive a certeza do erro assim que cheguei a Praia do Norte (uma aldeia). O trilho não passava por nenhuma aldeia. Não tinha nenhuma noção onde tinha falhado a placa (desconfio que tenha sido na estrada vermelha), nem fazia ideia onde iria apanhar o trilho novamente. Não tive outra alternativa, além de “perguntar” ao meu telemóvel qual o caminho para o Vulcão dos Capelinhos. Ele lá me disse e lá segui, completamente desconsolado, pelo alcatrão durante cerca de 4km. Se os primeiros 15km, passaram a correr e sem qualquer dor ou cansaço. A cabeça começou a trabalhar ao contrário, nestes 4km, já me doía tudo, e só queria que acabasse depressa.

Seguia pelo alcatrão e nem a vista mar me animava, sofria de um misto de dor nos pés e frustração por estar a caminhar por um caminho “normal” quando poderia estar caminhar por maravilhosos trilhos verdes ou por florestas encantadas. Mas também sabia que este sentimento não iria ser para sempre, e acabou repentinamente quando voltei a encontrar o trilho. Até acelerei o passo. Na placa dizia que faltava 1,5km para o Vulcão dos Capelinhos (só!? na verdade não me soube mal essa informação, já vinha com os pés em chamas). Ao entrar na última secção do trilho, senti que tinha “aterrado na lua”. Nem vislumbre de uma planta (e de verde), tudo cinzento e castanho, num campo aberto. Se retirassem o azul do mar e verde das florestas (nas minhas costas), acho que ficaria assustado com dimensão dantesca desta paisagem. Estava a entrar no Vulcão dos Capelinhos e no resultado (aparentemente) final da erupção dos Capelinhos ocorrida em 1957 (muito jovem, portanto). Estava uma ventania, como acho que nunca vi. Caminhava com dificuldade pelo vento e areia (misturada com pedra vulcânica) que me cravejava as pernas. No meio desta secção liga-me o meu Pai: “Tás perdido!!?? Vi no facebook que estavas perdido!”, resultado de uma foto que coloquei a coçar a cabeça e a dizer “Acho que estou perdido”, era meio a brincar, na verdade tinha perdido o trilho, porque quem tem o google maps nunca está completamente perto. Para complicar ainda mais a preocupação do meu pai, na altura que ele me liga, com o vento o meu chapéu voa (para verem o vento que estava) e tive de correr para aí 100 metros atrás dele, sobre as areias lunares, perante a minha resposta ofegante, acho que ele pensou: “este gajo está mesmo mal”. Lá recuperei o chapéu e lá lhe disse que estava tudo bem. Ainda me disse mais uma: “olha que eu li que a actividade sísmica por aí está com números elevados” (não me perguntem o que ele andou a ler, ao que eu respondi: “ainda bem me estás a dizer isso agora, estou em cima de um vulcão bastante recente”. Acho que com esta última frase o acalmei. Mas na verdade foi um pensamento errado, ele retorquiu: “EPÁ!! vê-la isso!!”, acho que com esta exclamação, na verdade ele quis dizer: “vê-lá se o melhor não é vires embora daí”. A tudo isto se pode chamar, preocupação de Pai. E do lado de cá é muito bom sentir isso. Na verdade, acho que ele estava a sentir de uma certa impotência. Se tiver um furo na minha bicicleta ou outra avaria, a 50km de casa, ele vai-me buscar em meia hora. Aqui, estava perdido num lugar onde não conhecia ninguém. Se estivesse em perigo, só passado um dia, conseguira chegar para me “salvar”. Acho que vou sentir o mesmo pelos meus filhos.

Passado o telefonema do meu Pai, cheguei ao “sobrevivente” (é de bom material, que aguentou uma erupção mesmo ao lado) farol dos Capelinhos. O farol tem como “cave” o Centro de Interpretação dos Capelinhos, um espaço que me pareceu muito interessante, mas que infelizmente já não apanhei aberto (no Verão tem um horário mais alargado). Terminada caminhada do dia, era tempo de avisar o Bruno, da Tobogã Azores, que tinha chegado e esperar por ele (a minha boleia para a Horta). Criei empatia de imediato com o Bruno, partilhamos de muitos ideais e escusado será dizer, que se quiserem fazer o trilho dos 10 Vulcões no Faial, será com ele que devem falar (se quiserem fazer canyoning também com ele que devem falar).

Após uma agradável conversa lá cheguei ao “meu” Hotel do Canal, com vista para imponente montanha do Pico. Banho merecido e ida ao mítico Peters (mesmo ao lado do hotel) para comemorar. Bife dos Açores para o jantar e o famoso Gin Tónico para sobremesa.

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